sexta-feira, 14 de agosto de 2015


Ensino Jurídico e o Poder Judiciário



              O 1º Encontro de Escolas de Direito do Rio de Janeiro, que teve como Presidente o Prof. Dr. Aurélio Wander Bastos, realizou-se no dia 11 de agosto de 2015, no Instituto dos Advogados Brasileiros – IAB, que é presidido pelo Dr. Técio Lins e Silva, tendo como preocupação a comemoração dos 188 anos da criação dos Cursos Jurídicos no Brasil (1827).

 

            Nesta reunião, com professores e acadêmicos de várias Universidades do Rio de Janeiro, públicas e privadas, discutimos o cenário atual e propostas para um ensino jurídico e pesquisa sobre o Direito, que serão levadas para as pautas de discussão com entidades e órgãos nos foros apropriados.

 

Dentre os assuntos discutidos tivemos a oportunidade de debater os dados do Relatório Justiça em Números, do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) referentes a movimentação processual, nos diferentes Tribunais, recursos disponíveis, número de servidores, quantidade de magistrados para decidir, dentre outra série de comentários pertinentes.

 

            Os dados desta pesquisa do CNJ permitem demonstrar que, o que congestiona o funcionamento do Judiciário brasileiro, não é o alto volume de cidadãos litigantes, como inicialmente se tem levantado, mas o grande volume de ações promovidas pelo Poder Executivo na área fiscal, geralmente tendo no polo passivo os cidadãos. A leitura dos dados demonstra que, a Justiça em geral tem uma evidente função arrecadatória provocada pelo Poder Executivo, em qualquer de seus níveis. Por outro lado, os dados também demonstram a carência de magistrados, especialmente de 1º grau, onde se encontram o maior volume de processos.

 

            Verifica-se que tramitam na Justiça Brasileira atualmente (Relatório Justiça em Números 2014) cerca de 95 milhões de processos, o que significa que, para cada 2 (dois) brasileiros há 1 (um) processo em andamento, uma taxa excessiva em relação a outros países. Somente na Justiça Estadual de São Paulo e do Rio de Janeiro tramitaram 27% e 11%, respectivamente, destes 95 milhões de casos.

 

            Deste total de processos (Relatório de 2013) 78% (74,1 milhões) são (foram) de competência da Justiça Estadual (JE); 12% (11,4 milhões) da Justiça Federal (JF); 8% (7,6 milhões) da Justiça do Trabalho (JT); e, finalmente, uma quantidade ínfima, 2%, nos demais tribunais (Justiça Eleitoral, Justiça Militar, STJ, STM, TSE e TST).

 

            Atualmente a Justiça Estadual tem 11.960 magistrados, o que significa que cada um deles tem sob sua responsabilidade uma média de 6.195 processos. A Justiça Federal possui 1.714 magistrados, com uma carga de trabalho de 6.651 lides. E, finalmente, a Justiça Trabalhista tem 3.250 magistrados, para decidirem em média 2.338 processos.

 

            Tomando como referência os dados supra, considerando que o ano judicial para os tribunais tem 10 meses úteis, que cada mês, em média, tem 20 dias úteis, ou seja, em 200 dias de trabalho, cada juiz da Justiça Estadual no Brasil deveria decidir uma média de 31 processos por dia, ou seja, julgar 3,4 processos por hora, trabalhando 9 horas por dia. No que se refere a Justiça Federal, cada magistrado deveria julgar em 200 dias 33,2 processos por dia, e, por hora, 3,7 processos, trabalhando as mesmas 9 horas. E, na Justiça do Trabalho, o quadro tem uma inversão relevante, pois, em 200 dias de trabalho, cada magistrado julgaria por dia 11,7 processos, e tomando como referência 9 horas de trabalho, 1,3 por hora.

 

            A quantificação torna visível a situação numérica dos tribunais, mas é humanamente impossível alcançar estes resultados, pois os magistrados têm que participar das sessões públicas, de atividades burocráticas, entre outras ações que lhes são designadas.

 

            Do total das ações da Justiça Estadual, os indicadores do CNJ demonstram que 43% (31,8 milhões) dos 74,1 milhões de processos são de execução fiscal no 1º grau, verificando-se que os grandes litigantes são o Estado e o Município, que tem a iniciativa da ação, e não o cidadão, que aparece como réu. Este percentual torna-se mais grave no Rio de Janeiro, pois do total 62% são execuções fiscais, e em São Paulo 52%. Logo, o que contribui para emperrar a máquina judiciária estadual é o próprio Poder Público.

 

            Esta hipótese final se confirma, verificando-se que, na Justiça Federal, 39% (4,4 milhões) do total de processos de 11,4 milhões também são execuções fiscais, mantendo-se a mesma linha dos Estados e Municípios. Esses dados permitem mostrar que, o litigante cidadão não é exatamente aquele que congestiona o funcionamento judiciário, mas, o Poder Executivo em todos os seus níveis, cobrando impostos.

 

Outra pesquisa do DPJ-CNJ de 2011 aponta quem são os maiores litigantes a nível nacional, indicando que estão envolvidos nos processos: setor público federal (38%); bancos (38%); setor público estadual (8%); empresas de telefonia (6%); setor público municipal (5%); e outros litigantes (5%). Sobre estes números o DPJ informa ainda que, do total, estão no polo ativo, ou seja, como autores das ações: setor público federal (33%); bancos (45%); setor público estadual (28%); empresas de telefonia (22%); setor público municipal (97%); e outros litigantes (49%).

 

Esta pesquisa de 2011 nos permite inferir que, hoje, aplicados estes percentuais, e somados os cinco maiores litigantes do país, estes são autores em, pelo menos, 36,1 milhões de processos, mais de 1/3 das ações em todo o país.

            Por fim, do total de 16.429 magistrados (Relatório CNJ 2014), tomando como referência a relação juiz/processo da Justiça do Trabalho em 2013, ou seja, 1 juiz/2.338 processos por ano como carga de trabalho, a Justiça Estadual no Brasil deveria ter 31.693 magistrados, e a Justiça Federal deveria ter 4.876 magistrados.

 

Esses dados, dessa forma, demonstram que: é imprescindível uma eficiente formatação da política de execução fiscal no Brasil; além do Poder Público, os maiores setores da economia (bancos e telefonia) são responsáveis por milhões de processos como autores; que há carga de trabalho desigual nas mãos dos magistrados brasileiros. Fatores estes que contribuem para o congestionamento do Judiciário.

 

A reunião pôs em discussão o cruzamento das informações do Relatório, que muito bem permite demonstrar que o congestionamento do Poder Judiciário e outras informações relevantes sobre o funcionamento e a estrutura da instituição precisam ser debatidas nas universidades, pois é com este cenário que os futuros operadores do Direito terão que trabalhar, se nada vier a ser feito.

sexta-feira, 10 de outubro de 2014


O Executivo no Judiciário

Leitura resumida do Relatório do CNJ (2012, 2013 e 2014)

Marcos Carnevale

 

            O Relatório Justiça em Números, do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) nos anos de 2012 (referente a movimentação processual de 2011), 2013 (referente a movimentação processual de 2012) e 2014 (referente a movimentação de 2013), excetuado o STF, muito bem permite demonstrar que o congestionamento do Poder Judiciário deve-se ao excesso de processos originários do Poder Executivo e não propriamente do cidadão litigante que busca seus direitos.

            Em nossa tese defendida no IUPERJ, de cuja banca participaram os professores doutores Aurélio Wander Bastos (orientador), Luiz. Werneck Vianna e Fernando Vieira, demonstramos muitos dos aspectos que não aparecem em uma leitura linear dos dados.  Os cruzamentos que foram efetuados dão uma dimensão muito mais profunda do que a simples leitura quantitativa.

            Os dados desta pesquisa do CNJ permitem demonstrar que, o que congestiona o funcionamento do Judiciário brasileiro, não é o alto volume de cidadãos litigantes, como inicialmente se tem levantado, mas o grande volume de ações promovidas pelo Poder Executivo na área fiscal, geralmente tendo no polo passivo os cidadãos. A leitura dos dados demonstra que, a Justiça em geral tem uma evidente função arrecadatória provocada pelo Poder Executivo, em qualquer de seus níveis. Por outro lado, os dados também demonstram a carência de magistrados, especialmente de 1º grau, onde se encontram o maior volume de processos.

            Verifica-se que tramitam na Justiça Brasileira atualmente cerca de 95 milhões de processos, o que significa que, para cada 2 (dois) brasileiros há 1 (um) processo em andamento, uma taxa excessiva em relação a outros países. Somente na Justiça Estadual de São Paulo e do Rio de Janeiro tramitaram 27% e 11%, respectivamente, destes 95 milhões de casos.

            Deste total de processos (Relatório de 2013) 78% (74,1 milhões) são (foram) de competência da Justiça Estadual (JE); 12% (11,4 milhões) da Justiça Federal (JF); 8% (7,6 milhões) da Justiça do Trabalho (JT); e, finalmente, uma quantidade ínfima, 2%, nos demais tribunais (Justiça Eleitoral, Justiça Militar, STJ, STM, TSE e TST).

            Atualmente a Justiça Estadual tem 11.960 magistrados, o que significa que cada um deles tem sob sua responsabilidade uma média de 6.195 processos. A Justiça Federal possui 1.714 magistrados, com uma carga de trabalho de 6.651 lides. E, finalmente, a Justiça Trabalhista tem 3.250 magistrados, para decidirem em média 2.338 processos.

            Tomando como referência os dados supra, considerando que o ano judicial para os tribunais tem 10 meses úteis, que cada mês, em média, tem 20 dias úteis, ou seja, em 200 dias de trabalho, cada juiz da Justiça Estadual no Brasil deveria decidir uma média de 31 processos por dia, ou seja, julgar 3,4 processos por hora, trabalhando 9 horas por dia. No que se refere a Justiça Federal, cada magistrado deveria julgar em 200 dias 33,2 processos por dia, e, por hora, 3,7 processos, trabalhando as mesmas 9 horas. E, na Justiça do Trabalho, o quadro tem uma inversão relevante, pois, em 200 dias de trabalho, cada magistrado julgaria por dia 11,7 processos, e tomando como referência 9 horas de trabalho, 1,3 por hora.

            A quantificação torna visível a situação numérica dos tribunais, mas é humanamente impossível alcançar estes resultados, pois os magistrados têm que participar das sessões públicas, de atividades burocráticas, entre outras ações que lhes são designadas.

            Do total das ações da Justiça Estadual, os indicadores do CNJ demonstram que 43% (31,8 milhões) dos 74,1 milhões de processos são de execução fiscal no 1º grau, verificando-se que os grandes litigantes são o Estado e o Município, que tem a iniciativa da ação, e não o cidadão, que aparece como réu. Este percentual torna-se mais grave no Rio de Janeiro, pois do total 62% são execuções fiscais, e em São Paulo 52%. Logo, o que contribui para emperrar a máquina judiciária estadual é o próprio Poder Público.

            Esta hipótese final se confirma, verificando-se que, na Justiça Federal, 39% (4,4 milhões) do total de processos de 11,4 milhões também são execuções fiscais, mantendo-se a mesma linha dos Estados e Municípios. Esses dados permitem mostrar que, o litigante cidadão não é exatamente aquele que congestiona o funcionamento judiciário, mas, o Poder Executivo em todos os seus níveis, cobrando impostos.

Outra pesquisa do DPJ-CNJ de 2011 aponta quem são os maiores litigantes a nível nacional, indicando que estão envolvidos nos processos: setor público federal (38%); bancos (38%); setor público estadual (8%); empresas de telefonia (6%); setor público municipal (5%); e outros litigantes (5%). Sobre estes números o DPJ informa ainda que, do total, estão no polo ativo, ou seja, como autores das ações: setor público federal (33%); bancos (45%); setor público estadual (28%); empresas de telefonia (22%); setor público municipal (97%); e outros litigantes (49%).

Esta pesquisa de 2011 nos permite inferir que, hoje, aplicados estes percentuais, e somados os cinco maiores litigantes do país, estes são autores em, pelo menos, 36,1 milhões de processos, mais de 1/3 das ações em todo o país.

            Por fim, do total de 16.429 magistrados (Relatório CNJ 2014), tomando como referência a relação juiz/processo da Justiça do Trabalho em 2013, ou seja, 1 juiz/2.338 processos por ano como carga de trabalho, a Justiça Estadual no Brasil deveria ter 31.693 magistrados, e a Justiça Federal deveria ter 4.876 magistrados.

Esses dados, dessa forma demonstram que: é imprescindível uma eficiente formatação da política de execução fiscal no Brasil; além do Poder Público, os maiores setores da economia (bancos e telefonia) são responsáveis por milhões de processos como autores; que há carga de trabalho desigual nas mãos dos magistrados brasileiros. Fatores estes que contribuem para o congestionamento do Judiciário.



 

segunda-feira, 19 de agosto de 2013


SALARIO: O CONFRONTO HOSTIL, DE 1844 A 2013



SUMÁRIO

 RESUMO

INTRODUÇÃO

1. O SALÁRIO

2. O SALÁRIO E A LEI

3. O CONFRONTO HOJE

CONSIDERAÇÕES FINAIS

ABSTRACT

NOTAS BIBLIOGRÁFICAS

RESUMO


 
Este artigo pretende, primeiramente, discorrer sob a ótica marxista dos manuscritos econômico-filosóficos, sobre o surgimento do salário e o impacto que ele provocou na vida dos trabalhadores e do próprio capitalismo. Em seguida, analisar como no Brasil a sociedade buscou regular este impacto, via um conjunto de leis. E, finalmente, fazer uma análise desta relação entre trabalho, capital e salário, os resultados dessa discussão quando levada ao poder judiciário e a efetividade deste para a solução dos conflitos entre trabalho e capital, ou empregado e empregador.


PALAVRAS-CHAVE: salário, trabalhador, capital, conflito, classes.

INTRODUÇÃO



Desde a ótica dos manuscritos econômicos e filosóficos, com base na perspectiva capitalista, faremos uma análise de como o salário entrou na vida do trabalhador, como o tornou dependente, o separou da propriedade privada e, dispondo apenas de seu trabalho para sobreviver, naturalmente se viu obrigado a trabalhar para o empregador capitalista em troca de uma remuneração. O salário, de alguma segundo a visão marxista, contribuiu para a própria alienação do trabalhador, transformando-o em mercadoria, coisificando-o perante a sociedade. Por outro lado, também, depois de introduzido, o salário transformou-se no único modo de sobrevivência do trabalhador, desde que este foi despojado dos meios de produção.

Podemos dizer que, no Brasil, o salário virou um conjunto de direitos sociais e, dentro destes direitos, foram editadas uma série de regras para controlar a questão salarial, conforme veremos em um segundo momento, como abordagem deste estudo. Muitas destas regras constituem um conjunto de obrigações financeiras que, finalmente, viraram parte delas em agregados do salário, elaboradas pelo próprio empregador capitalista, em instrumentos legais, códigos e leis para, supostamente, proteger o trabalhador. Na controversa, essas regras se tornaram um problema para esse capitalista, acharcado pelos altos impostos cobrados pelo Estado, também exercendo seu poder, em nome da garantia dessas mesmas regras e leis protetoras do trabalho remunerado.

Discute-se, atualmente, a efetividade deste arcabouço legal no judiciário brasileiro e na sociedade, aonde o trinômio salário/remuneração/impostos vem sendo debatido exaustivamente.

Desta forma, em uma terceira parte, com base no relatório do CNJ, Justiça em Números 2012, procuraremos esmiuçar a crise que permeia as entranhas do poder judiciário trabalhista, apontando o impacto das reclamações trabalhistas lá estocadas, ou poderíamos dizer, encalhadas, na vida do trabalhador, e que só fazem aumentar a cada ano a crise social daquele que busca seus supostos direitos sociais, garantidos pela lei. Empreenderemos, nesta parte do trabalho, uma análise dos dados quantitativos do relatório para, então, proceder a uma análise sociológica qualitativa do impacto social que se pode ler nas entranhas do relatório do poder judiciário trabalhista, órgão este incumbido em resolver o conflito entre o capital e o trabalho.

1. O SALÁRIO


 
A reprodução do capital é o fundamento principal da produção e o homem enquanto trabalhador, segundo Marx, transformou-se na mercadoria básica para o funcionamento do processo produtivo. O capital expropriou o trabalhador de sua natureza, relegando-o ao ganho para o mero sustento de sua necessidade primeira, a sobrevivência.

Marx inicia a análise do conceito econômico de salário no primeiro caderno dos Manuscritos de 1844, evidenciado o tema da oposição entre capital e trabalho, no contexto da apropriação da riqueza, onde “o salário é determinado mediante o confronto hostil entre capitalista e trabalhador”.[i] Este confronto hostil, de maneira geral, termina com a vitória do capitalista, já que ele “pode viver mais tempo sem o trabalhador do que este sem aquele”[ii], devido as condições materiais que favorecem o dono do capital.

Fato é que, na visão sociológica marxista, o aparecimento do salário trouxe severas desvantagens ao trabalhador. Neste contexto, o salário provoca uma grande concorrência entre os trabalhadores. Sendo o trabalho uma questão de vida ou morte para estes, incita-os a qualquer sacrifício para obtê-lo, inclusive o sacrifício de aceitar ganhar o mínimo necessário à sua sobrevivência e à reprodução de sua classe:
 

A taxa mais baixa e unicamente necessária para o salário é a subsistência do trabalhador durante o trabalho, e ainda [o bastante] para que ele possa sustentar uma família e [para que] a raça dos trabalhadores não se extinga. O salário habitual é, segundo Smith, o mais baixo que é compatível com a simples humanidade (simple humanité), isto é, com uma existência animal. (MARX, 2008, p. 24)

 
         Podemos concluir, então, segundo este ponto de vista, que aos trabalhadores foi estipulado o salário mínimo, ao longo dos tempos, por ordem social e econômica, a favor do capitalismo predominante. Por terem sido colocados na condição de mercadoria e, tratados como tal, devem obedecer, portanto, às demais leis de oferta e procura que regem as relações mercantis:
 

A procura por homens regula necessariamente a produção de homens assim como de qualquer outra mercadoria. Se a oferta é muito maior que a procura, então uma parte dos trabalhadores cai na situação de miséria ou na morte pela fome. A existência do trabalhador é, portanto, reduzida à condição de existência de qualquer outra mercadoria. O trabalhador tornou-se uma mercadoria e é uma sorte para ele conseguir chegar ao homem que se interesse por ele. E a procura, da qual a vida do trabalhador depende do capricho do rico e capitalista. (MARX, 2008, p. 24)
 
          Além de o trabalhador haver se tornado uma mercadoria, há outras desvantagens para ele no sistema capitalista, segundo Marx. Entre elas, a questão da gravitação do - preço do mercado para o preço natural - onde o primeiro seria o preço mais vantajoso e o segundo o ponto zero, ou seja, nem prejuízo nem lucro para o capitalista, nessas condições, e mais especialmente, se a produção der prejuízo abaixo do ponto zero, Marx observa que o capitalista pode facilmente dar outro rumo a seus negócios, pois se ocorrer tal gravitação, para este, é apenas negócio:
 
Se para o trabalhador, mediante uma grande divisão do trabalho, é dificílimo dar ao seu trabalho uma outra direção, cabe-lhe na sua relação subalterna com o capitalista, antes de mais nada o prejuízo. Com a gravitação do preço de mercado para o preço natural, o trabalhador perde, portanto, ao máximo e incondicionalmente. E é precisamente a capacidade do capitalista em dar outra direção ao seu capital que: ou submete o trabalhador (ouvrier) – restringindo uma determinada esfera do trabalho – à fome, ou o obriga a sujeitar-se a todas as exigências desse capitalista. (MARX, 2008, p. 24)

            Outra desvantagem para o trabalhador, apontada pelo pensador, está nos “preços de trabalho das diferentes espécies de trabalhos [que] são muito mais diversos do que os ganhos dos diferentes ramos nos quais o capital se aplica”.[iii] Isso significa que as diferenças naturais, culturais e sociais da atividade individual são remuneradas de modo diverso. O fato de trabalhos de diferentes espécies terem remuneração diversa representa uma desvantagem imposta pelo capital ao trabalho, acirrando ainda mais a competição entre trabalhadores pois, além de lutar pelos meios de vida físicos, tem que lutar também por uma vaga no mercado, de acordo com suas capacidades em executar uma ou várias espécies de trabalho.

Para esmiuçar o quanto o salário é fonte de preocupação para o trabalhador, Marx analisa três situações principais em que a sociedade pode se encontrar e como fica a situação do trabalhador nestas condições, sendo elas: riqueza em declínio, em progressão e em estagnação.

A primeira, a situação de declínio da sociedade, infere que a desvantagem do trabalhador consiste no fato de que se a riqueza diminui, os trabalhadores perdem seus empregos e os salários caem, por consequência sua sobrevivência e de sua família se veem comprometidas. Parece a pior de todas as situações, onde a miséria do trabalhador é evidente. E Marx faz a sua análise desta condição nesta passagem, comparando com a situação de riqueza em ascendência ou em progressão para explicitar o quanto sofre a sociedade com a economia em declínio:
 

Se a riqueza da sociedade estiver em declínio, então o trabalhador sofre ao máximo, pois: ainda que a classe trabalhadora não possa ganhar tanto quanto a [classe] dos proprietários na situação próspera da sociedade, nenhuma sofre tão cruelmente com o seu declínio como a classe dos trabalhadores. (MARX, 2008, p. 25).

 
         A segunda, é a da progressão da riqueza, parece que “esta é a única favorável ao trabalhador. Aqui começa a concorrência entre os capitalistas. A procura por trabalhadores excede sua oferta”.[iv] Porém, apesar de parecer a situação mais vantajosa, Marx afirma que muitos mecanismos nesta situação trarão novas condições de desvantagem para o trabalhador. Com a concorrência entre os capitalistas, e a procura por trabalhadores excedendo a oferta, ocorre uma elevação dos salários, mas esta elevação impele ao sobretrabalho, uma vez que os trabalhadores, movidos pela ganância, para ganhar mais, sacrificam seu tempo e sua liberdade, pondo-a a serviço da avareza. Com isso, seu próprio tempo de vida é encurtado mas, por paradoxal que possa parecer, este encurtamento é apresentado como algo favorável ao processo de progressão da riqueza, ou seja, em face disso “do encurtamento de sua duração de vida, se torna sempre necessária a nova oferta. Esta classe tem sempre de sacrificar uma parte de si mesma, para não perecer totalmente”.[v]

A terceira situação hipotética é a riqueza estacionária, ou seja, na dinâmica do modo capitalista, esta condição de riqueza progressiva, fatalmente chegará a um ponto culminante, onde a riqueza deve estacionar. Dessume-se como consequência da segunda, levando novamente o trabalhador a uma condição desfavorável:
 

Num país que tivesse atingido o último estágio possível de sua riqueza, seriam ambos, salário e juro do capital, muito baixos. A concorrência entre os trabalhadores para conseguir emprego (Beschäftigung) seria tão grande que os salários (Salaire) seriam reduzidos até o suficiente para a manutenção do mesmo número de trabalhadores, e com o país estando já suficientemente povoado, esse número não poderia aumentar. O excedente (Plus) teria de morrer. (MARX, 2008, p. 27).

 
Portanto, para Marx, parece que não há condição favorável ao trabalhador, que sempre sofrerá no modo de produção capitalista, configurando-se o seguinte retrato: “na sociedade em situação regressiva (abnehmend), miséria progressiva do trabalhador; na [sociedade] em situação progressiva, miséria complicada; na [sociedade] em situação plena, miséria estacionária”.[vi]

Neste cenário, o capital, com apoio do SALÁRIO, criou a alienação do trabalhador ao produto do seu trabalho. E se o produto do trabalho não pertence ao trabalhador, que o enfrenta como força estranha, então, pertence a um outro homem. Portanto, uma vez que não pertence ao trabalhador o produto de seu trabalho e representa um objeto estranho a este, hostil, poderoso e independente à sua atividade, significa que este pertence a outro homem, estranho, hostil, poderoso e independente, o capitalista.

Marx prega que o objetivo do mundo capitalista é pensar como a sociedade pode produzir mais riquezas para o capitalista, não para a sociedade. Não há preocupação com a existência do trabalhador, com suas carências humanas, com sua humanidade. Naturalmente, o trabalhador foi impelido pela própria sociedade capitalista a desenvolver suas carências sociais, e o salário é o meio capital para atender às suas necessidades. Essas necessidades, na verdade, são o mote que os submetem a serem meros instrumentos de outros, fazendo com que “vendam” não só sua força de trabalho, mas sua energia física e mental, colocando-as a serviço do empregador, arruinando, assim, a sua própria existência, em troca do salário.

Continuando a análise, podemos dizer que, atualmente, o salário atua como fator estratégico e preocupante em três vertentes na sociedade: para o trabalhador, por ser ao mesmo tempo, seu sustento e produto de alienação; para o Estado, por ser uma ferramenta de arrecadação e, em contrapartida, demandas judiciais; para o empresário capitalista, pelo lucro de seu produto mercantilizado que contrapõem-se ao impacto dos altos impostos.

 Para uma maior reflexão do tema, abordaremos a seguir a regulação do salário no sistema social e econômico brasileiro.
 
 

 
Esta parte do trabalho pretende abordar como o salário, e demais regras que vieram atreladas a ele, são reguladas pela lei brasileira, e porque o salário se tornou uma preocupação para o capitalista, também permeado pelo Estado Juiz. A título de esclarecimento, o item abordará o assunto nos seus aspectos macro, sem se deter em outras feições menores sobre o tema, como por exemplo, o microempresário ou o empresário individual, ou seja, vamos abordar o quanto a legislação impacta o capital de um modo geral. Também discorreremos sobre a questão dos tributos que incidem sobre o trabalhador e o empresário, sem aprofundar suas nuances e definições, mas posicionando discussões para o tema que vem a seguir, “O confronto hoje” do salário com o capital, no judiciário brasileiro.

Apenas como introdução, sem pretender desenvolver o tema a fundo, mas continuando a abordagem sob a ótica marxista, sabemos que a obra “O socialismo jurídico”, planejado por Friedrich Engels e Karl Kautsky, foi elaborada com o objetivo de dar uma resposta aos ataques à teoria econômica de Karl Marx, no livro “O direito ao produto integral do trabalho historicamente exposto”, do sociólogo e, considerado jurista burguês, o austríaco Anton Menger, publicado em 1886, que vinha obtendo grande repercussão naquele tempo.

 Os estudiosos do tema entendem que o texto de Engels e Kautsky tem grande importância teórica e política e é de impressionante atualidade. Foi pensada em tempos em que a ideologia jurídica penetrava profundamente no movimento operário e em suas organizações. Evidencia o ataque, sem concessões, dirigido contra o núcleo duro da ideologia burguesa, e sua concepção jurídica de mundo. Engels e Kautsky dedicaram o artigo a combater o socialismo dos juristas ou o socialismo por meio do direito, defendendo as ideias marxistas de que “o direito é, irremediavelmente, uma forma do capitalismo. Assim sendo, é a revolução e não a reforma por meio de instituições jurídicas a única opção realmente transformadora das condições das classes trabalhadoras”.[i]

No entanto, parece que o capital foi mais eficiente, e pensando nas transformações socioeconômicas que resultariam da expansão da reprodução do capital, seriam necessárias garantias de que não haveria oposição dos trabalhadores à sua continuidade. Para isso, eram necessários comandos legais que assegurassem a legitimidade das mudanças nas relações produtivas. Assim, os capitalistas engendraram, então, a legislação para corresponder às reivindicações das relações mercantis.

Deste modo, como vemos, as sociedades modernas são dependentes de um conjunto de leis, concebidas outrora pela burguesia, e apropriadas pelo Estado de Direito, para seu próprio benefício, voltando-se parte deste movimento contra o próprio capitalista.

Veremos, então, que papel cabe às leis trabalhistas, como surgiram no Brasil sob a nossa realidade, e de que modo estas leis entraram na vida do trabalhador e do empresário (capitalista), especialmente no que se refere à regulação do salário e suas consequências.

No Brasil, foi na era do presidente Getúlio Vargas, que ficou mais de 15 anos no poder, e suicidou-se em meio a uma crise política, marcada pela ditadura e pela organização dos direitos trabalhistas, que surgiu a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT).

A CLT completou 70 anos no último 1º de Maio de 2013, editada em 1943, consolidou um conjunto de normas criadas desde os anos 30 para, supostamente, proteger o trabalhador da ganância do capitalista. Getúlio criou a época uma comissão para estudar a legislação trabalhista e compilar aquelas regras num único texto.

As leis criadas no governo de Getúlio Vargas, principalmente, determinaram a criação do salário mínimo e da carteira de trabalho; da jornada diária de 8h; do direito a férias anuais remuneradas; do descanso semanal remunerado; direito à previdência social; a regulamentação do trabalho do menor e da mulher. Depois, veio o décimo terceiro salário; o salário família; veio a obrigatoriedade do Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS) e o Programa de Integração Social (PIS).

Em um segundo momento, pós era Vargas, a Constituição de 1988 criou a lei que instituía a licença maternidade, garantia quatro meses de licença para a mãe e cinco dias de licença paternidade; o abono de férias (o chamado 1/3 de férias); a jornada de trabalho semanal de 44h; e horas extras pagas a razão de, no mínimo, 50% do salário do trabalhador; a proibição de salário diferenciado para mesma ocupação; dentre outras regras.

Vemos que todas as obrigações legais acima citadas conferem ao trabalhador, se não os seus direitos ao salário propriamente dito, a alguma forma de remuneração, até mesmo quando ele não está trabalhando. Todo este conjunto de direitos a remuneração que o trabalhador adquiriu com a lei, trouxe impacto também ao empregador capitalista, que além de ter que cumprir com o pagamento de tais direitos, ainda é tributado por isso.

Tal impacto direto no capital foi instituído pelo Estado, que busca nos tributos os recursos financeiros necessários ao financiamento das suas ações, supostamente, em prol da sociedade, e encontrou no salário uma fonte perfeita para arrecadar seus recursos. Evidente que o impacto não se dá somente pelo salário e seus benefícios agregados, pois os impostos afetam de maneira cruzada o salário e a planilha de custos do capitalista, interessado em reproduzir seu capital, mas ao final, veremos que quem perde este confronto é o trabalhador.

Quanto ao tema dos impostos, sem explorar demasiado o tema, pois não é assunto central neste trabalho, existem dois conceitos de tributação, a direta e a indireta.  A Tributação Direta refere-se às incidências tributárias que guardam relação direta com a renda do contribuinte. Também são considerados como tributação direta, os casos de translação, ou seja, os tributos incidentes sobre a folha de pagamentos. Já a Tributação Indireta refere-se às incidências tributárias que não visam a fonte de renda do contribuinte, gravando a circulação de mercadorias (ICMS), a prestação de serviço (ISS) ou o faturamento das empresas (IRPJ e CSL), IPI, PIS e COFINS, dentre outra dezena de exações.

O Estado não apenas criou sua fonte de renda, mas também implantou sua tarefa de ‘árbitro’ do conflito entre trabalhador e capital. No Brasil, a Justiça do Trabalho, como instituição jurídica independente, teve sua origem do desmembramento de uma parte do Direito Civil relativa aos contratos de locação de serviços. Antes de seu surgimento, cabia à Justiça Comum a apreciação das controvérsias relativas a esses contratos, regidos pelas leis civis e comerciais.

Sua atual estrutura em Varas do Trabalho, como são chamadas hoje, começou na Revolução de 1930, com a subida de Getúlio Vargas ao poder. O seu governo foi responsável pela criação do Ministério do Trabalho, separando-o do Ministério da Agricultura, mas mantendo-o, ainda, unido ao da Indústria e Comércio.

No campo da solução dos conflitos trabalhistas, o governo provisório de Vargas tomou a iniciativa de instituir as Comissões Mistas de Conciliação para os conflitos coletivos e as Juntas de Conciliação e Julgamento (JCJ) para os conflitos individuais.

Ocorre que as Comissões Mistas de Conciliação não eram órgãos julgadores, mas apenas de conciliação, não podendo impor às partes a solução vislumbrada. Havendo acordo, lavrava-se a ata do mesmo. Caso contrário, propunha-se a adoção de juízo arbitral. Em última hipótese, o caso era remetido ao ministro do Trabalho, para tentar resolver o conflito. O descumprimento do acordo implicava em imposição de multa para o empregador e demissão para o empregado, conforme a parte que o tivesse descumprido. A atuação das comissões foi irrelevante no Brasil, por seu caráter não impositivo das soluções.

Quanto às Juntas de Conciliação e Julgamento (JCJ), eram órgãos administrativos, sem caráter jurisdicional, mas com permissão para impor a solução do conflito sobre as partes litigantes. A única coisa que não podiam fazer era executar suas decisões. Para tanto, os procuradores do Departamento Nacional do Trabalho (DNT) deveriam iniciar, perante a Justiça Comum, a execução das decisões das Juntas.

Outro ponto, quanto às demandas dos Direitos Trabalhistas, era que apenas aos empregados sindicalizados era concedido o jus postulandi perante as Juntas. Os demais trabalhadores deveriam recorrer à Justiça Comum para a solução de suas demandas. Até 1937, haviam sido instaladas 75 Juntas em todo o território nacional, que dependiam de solicitação de sindicato para sua criação e eram instaladas por município. Até que todas estas serventias transformaram-se na Justiça do Trabalho como hoje a conhecemos.

Todas essas circunstâncias entrelaçadas, direitos dos trabalhadores e obrigações do empresário capitalista, permeados pelas relações com o Estado, terminaram por criar um complexo sistema de embates entre estes atores. De um lado, o trabalhador exigindo seu salário, do outro, o capitalista interessado em expandir e reproduzir seu capital com o menor custo que, muitas vezes, implica em descumprir a lei, não pagar direitos aos trabalhadores, em prol de melhorar a lucratividade. E entre estes dois polos está o Estado, ‘zeloso’, que tem a sua participação no ‘bolo’ capital e trabalho, articulando-se como estabilizador do estado de direito, e encaminhando para o poder judiciário a discussão entre trabalhador e empregador.

Veremos no próximo tópico “O confronto hoje” que, em sua maioria, os processos caracterizam-se por ter o trabalhador na posição de ‘reclamante’, evidentemente, quando o empregador descumpre com suas obrigações aos direitos ‘salariais’ do empregado. Outra grande parcela dos processos no judiciário trabalhista é de cobrança de tributos não pagos pelo empresário, e que deveriam ter sido recolhidos por conta das verbas trabalhistas a que foi condenado em uma decisão judicial. E, por fim, uma menor parcela é de processos do empregador capitalista contra o trabalhador que, na verdade, mais tem a ver com questões sindicais, tais como acordos coletivos, entre outros.

Observaremos, também, analisando os dados quantitativos do poder judiciário trabalhista, no relatório do CNJ - Justiça em Números - de maneira sociológica e qualitativa, o quanto impacta esta atividade do Estado, que arvorou para si a tarefa de solucionar os conflitos trabalhistas, na vida do trabalhador.

3. O CONFRONTO HOJE


 
O relatório do CNJ – Justiça em Números[i] – é um trabalho institucional que visa mapear a Justiça Brasileira. Vem sendo desenvolvido desde 2003 mas, somente em sua edição de 2012 (dados analisados de 2011), foi disponibilizado para a academia.

          Seu processamento é basicamente estatístico quantitativo e, apesar de trazer alguns problemas sistêmicos na sua elaboração, não respondendo a uma dezena de perguntas que surgem dos seus números, nos permite chegar a várias conclusões sobre o impacto de tais números na sociedade brasileira.

          Iniciaremos esta parte do trabalho com análises numéricas, acompanhadas de gráficos, e faremos menção a algumas nomenclaturas, que devem aqui ser observadas, dentre elas, polo ativo e polo passivo, ou seja, quem está processando e quem é o processado na ação judicial para, futuramente, tecermos as considerações pertinentes aos tópicos que estão sendo discutidos neste trabalho, envolvendo o capital e o trabalho, o empregador e o empregado, e o Estado de direito.  


3.1 Os 100 maiores litigantes


          Os 100 maiores litigantes na Justiça do Trabalho (março de 2011) são: Setor Público Federal, responsável por 27% dos processos; em segundo lugar, os bancos, com 21%; em seguida, a indústria, responsável por 19%; CIAs. Telefônicas, litigam em 8%; e o Setor Público Estadual, em outros 7% de processos trabalhistas.

          Observa-se, por intermédio dos dados, que o setor público (Federal e Estadual) somado aos bancos, indústria e telefonia, representa 82% do total de processos, dos 100 maiores litigantes da Justiça do Trabalho. Um questionamento, já neste primeiro diagnóstico, que não é respondido pelo relatório e nos remete a análise de poder entre capital, trabalho e Estado, é o porquê de os Governos Federal e Estadual (incluindo municípios), aparecerem figurando com alto percentual em um poder judiciário que basicamente está a serviço do trabalhador? Evidente que o trabalhador do setor público também vai à justiça por seus direitos, mas os números mostram que este percentual é infinitamente menor do que os trabalhadores do setor privado, como veremos nas análises que seguem.

          Do total de processos em andamento, 3.256.565, o Setor Público Federal litiga no polo ativo em 712.211 processos, o que representa 22% do total, nos lançando, então, a outra pergunta não respondida pelo trabalho do CNJ: porque o Governo Federal é autor em processos trabalhistas? O advogado militante sabe que a maioria destes processos traduz-se nas demandas da Receita Federal e do INSS, cobrando seus tributos referentes às parcelas trabalhistas pagas ao trabalhador, vencedor do processo judicial. É o Estado atuando com todo o poder que lhe é conferido, não apenas como ‘protetor’ do trabalhador, mas como vimos anteriormente, incidindo inúmeros tributos sobre o empregador e empregado, tais como a folha de salários, a contribuição previdenciária e a contribuição social sobre o lucro. Resumindo, portanto, para cada salário (e demais remunerações) pago por ordem da justiça, o empresário tem que recolher os tributos correspondentes. O que ocorre é que, geralmente, este resiste a exação, assim como opõe-se a pagar ao trabalhador o que lhe é direito, sofrendo no polo passivo como Réu, para ser compelido a recolher os impostos devidos.

          Se excluirmos, então, o Setor Público Federal desta análise, registramos que estão em andamento 2.377.292 processos, dos quais, de modo geral, o trabalhador está no polo ativo em 78%, e as instituições em 22% do total. Ou seja, é o capitalista no polo ativo reivindicando o que pensa ser seu Direito em face do trabalhador.

Assim, excluída a área federal, os principais setores da economia litigando na justiça do trabalho são: BANCOS, 21%; INDÚSTRIA, 19%; TELEFONIA, 8%; SETOR PÚBLICO ESTADUAL, 7%; SERVIÇOS, 5%; COMÉRCIO, 3%; SEGUROS/PREVIDÊNCIA, 3%; e OUTROS, 7%. Destes, figuram no polo ativo e passivo, conforme o gráfico 1 abaixo:


Gráfico 1


           Esmiuçando a análise numérica, partindo dos números informados, dos 1.846.147 processos trabalhistas em que os setores acima identificados são Réus (polo passivo), os setores bancário, indústria e telefonia são processados em 1.305.557, ou seja, 71% destas lides. Neste diagnóstico, observa-se que uma maioria esmagadora de trabalhadores requer seus direitos, não pagos por três dos principais campos econômicos do país, reforçando o poder do capital e do empregador capitalista sobre o empregado trabalhador.
 
          Analisemos, brevemente, o impacto desse número de ações trabalhistas, baixo a ótica social e econômica para os trabalhadores. Por exemplo, segundo a última projeção do censo do IBGE (2012), a família brasileira é composta, em média, por 3 pessoas. Assim, em uma análise macro e dedutiva, sobre os 1.305.557 processos, podemos calcular que existem pelo menos 3.916.671 de pessoas e familiares envolvidos. Ou seja, é real o impacto social sobre cerca de 4 milhões de pessoas, que estão à espera de uma decisão do poder judiciário trabalhista para receberem o que entendem ser um Direito ‘salarial’ que lhes cabe, levados em sua maioria para a tutela do Estado, por anos a fio, porque o empregador capitalista deixou de cumprir a lei.
 
          E, finalizando esta primeira análise, sob uma ótica politico social, podemos dizer rapidamente que, embora saibamos que nem sempre o Estado gere com seriedade os tributos que recebe do capitalista empregador, este poderia e teria mais condição de fazê-lo, caso os mesmos impostos recolhidos tivessem sido arrecadados no momento correto, da maneira oportuna, podendo ser revertidos em educação, saúde, transporte para a sociedade.
 
 
3.2 Número de casos pendentes versus sentenças versus processos novos
 
 
          No ano de 2011 (relatório de 2012) estavam pendentes 3.256.565 e foram sentenciados 3.736.185 processos e, ainda, entraram 3.672.053 casos novos no poder judiciário trabalhista.
 
          À primeira vista, estes números podem parecer eficientes. Na verdade, o total de processos sentenciados inclui, também, os recursos de segunda instância, o que faz aumentar o número de sentenças.
 
          A saber, também, que as sentenças dadas são divididas em processos de conhecimento, que são as decisões de 1ª instância, onde o juiz decide mas o trabalhador ainda não recebe suas reivindicações; e as sentenças de execução, onde, em o Réu não pagando aquilo a que foi condenado, sofrerá restrições em seus bens para saldar sua condenação. Destas sentenças de 2011, somente 887.841 foram de execução.
 
          Assim, podemos extrair novas análises sobre o impacto destes números na sociedade. A começar pelas sentenças de execução. Tal estágio do processo, infelizmente, tão pouco quer dizer que o trabalhador que obteve êxito na sua reclamação trabalhista receberá seu ‘salário’ imediatamente pois, ainda, restam meses, quiçá anos, de discussão matemática, de acordo com a sistemática da lei de execuções trabalhistas, que permite ao empregador a discussão do resultado dos chamados ‘cálculos de liquidação de sentença’. A começar, por impugnações aos cálculos apresentados pelo trabalhador; o empregador vencido nesta etapa, em seguida, pode entrar com o recurso de embargos a execução, onde discutirá a matemática novamente; daí o recurso de agravo de petição sobre a matemática da execução para a segunda instância; e se quiser continuar discutindo, ainda vai poder oferecer agravo de instrumento ou até mesmo recurso ao Tribunal Superior do Trabalho.
 
          E, como é conhecido (e se não, qualquer advogado trabalhista que atua pelos reclamantes pode confirmar), os setores Réus: bancário, indústria e telefonia, responsáveis por 71% dos processos em andamento, utilizam-se de todos os recursos permitidos em lei, e até mesmo dos não permitidos, mas que não são proibidos ou censurados, para retardar o quanto seja possível o pagamento do trabalhador demandante.
 
          Assim, se do total de processos com sentença em 2011, 887.841 são de execução, outros mais de dois milhões e oitocentos mil (2.843.344) são de conhecimento, ou seja, sequer ainda chegaram à fase de execução. E, fato é que, seja qual for o estágio, anos ainda se passarão até que sejam extintos pelo cumprimento das obrigações estabelecidas pela sentença do juiz.
 
          Destarte, mais uma vez podemos inferir que, se a família brasileira é composta de 3 pessoas em média, seja lá qual for o polo em que estejam, temos que existem, aproximadamente, mais de 11 milhões de pessoas a espera de uma decisão do poder judiciário trabalhista para receber seus Direitos ‘salariais’, ou não, o que, sem dúvida, estará prejudicando de alguma forma a subsistência destas pessoas pois, embora os relatórios do CNJ não informem estes detalhes, muitos destes trabalhadores haverão de estar desempregados, dentre outras nuances destes confrontos entre salário, capital.
 
          E, pior, vemos pelos números gerais de casos pendentes, 3.256.565, sentenciados, 3.736.185, e de casos novos, 3.672.053, que entraram no poder judiciário trabalhista, que este estoque nunca diminui, ele se renova a cada ano.
 
 
3.3 Número de processos no país
 
 
          Se por um lado, o relatório do CNJ apresenta uma ‘fotografia’ numérica dos processos trabalhistas no país, por outro, infelizmente, não avalia os impactos sociais ali implicados.
 
          A seguir vamos analisar os números de processos nos principais Estados, os mais populosos e que possuem o maior número de ações tramitando, fazendo algumas comparações com o resto do país e gerando análises para, finalmente, coligir novas considerações sobre o confronto entre o salário e o capital.
 
          Vamos avaliar os cinco maiores Estados do Brasil em população que, também, são os Estados com o maior número de processos registrados pelo CNJ, e que possuem os tribunais de grande porte, assim classificados no relatório e chamados de TRT (Tribunal Regional do Trabalho): São Paulo, que graças ao seu tamanho, possui dois Tribunais do Trabalho, o da 2ª Região e o da 15ª Região; Rio de Janeiro, TRT da 1ª Região; Minas Gerais, TRT da 3ª Região; Rio Grande do Sul, TRT da 4ª Região; e Bahia, TRT da 5ª Região.
 
          Do total de 3.256.565 processos pendentes de sentença, São Paulo, representa 36%, ou 1.177.485, de toda a justiça do trabalho, e tem 22% da população brasileira; em seguida, Rio de Janeiro, com 10%, ou 317.945 de processos e com 8% da população total; a Bahia é o terceiro maior Estado em número de processos, 220.845, correspondente a 7% e igual 7% da população total; Rio Grande do Sul é o quarto Estado, com 7%, ou 218.038 processos, e tem 6% da população total; e, finalmente, Minas Gerais que, embora seja o segundo Estado em número de população, 10% do total do país, tem apenas 5% do total de processos, 166.880, conforme o gráfico 2:
 
Gráfico 2
 



ESTADOS


CNJ 2011


 


IBGE 2011


 


Nº DE PROCESSOS PENDENTES


% DO TOTAL/ PROCESSOS


POPULAÇÃO/ESTADO


% DO TOTAL/ ESTADO


SP


1.177.485


36%


41.586.892


22%


RJ


317.945


10%


16.112.637


8%


BA


220.854


7%


14.097.333


7%


RS


218.038


7%


10.732.770


6%


MG


166.880


5%


19.728.252


10%


SP, RJ, MG, RS e BA


2.101.202


65%


102.257.884


53%


OUTROS


1.155.363


35%


89.442.636


46%


TOTAL BRASIL


3.256.565


-


192.376.496


-



          Podemos aferir que nestes cinco Estados estão 65% do total de processos pendentes de julgamento na Justiça do Trabalho e que estes concentram 53% da população total brasileira; os outros 35% estão distribuídos pelos outros 22 entes federados, que compõem 46% dos brasileiros. Ou seja, há muito mais pessoas litigando em apenas cinco Estados do que no resto do país inteiro, o que mostra, em uma análise informal, a força do capital investidor e do trabalho nos principais centros do país, em detrimento dos demais.
 
          Infelizmente, o relatório do CNJ não disponibiliza os números por cidades, embora eles existam, o que nos permitiria fazer uma análise do número de processos nas grandes cidades, em especial as capitais, que concentram a maior parte da população e, assim, elaborar um diagnóstico do impacto social nas regiões urbanas que é, sabidamente, onde se dá o maior percentual de processos entre o trabalhador e o capitalista.
          Todavia, é possível analisar por tribunal a taxa de congestionamento de processos, que o CNJ define como sendo o número de processos que não foram baixados durante o ano, entendendo-se como ‘baixados’ aqueles processos que foram extintos definitivamente por cumprimento das obrigações geradas pela sentença final. Gráfico 3:
Gráfico 3


ESTADOS


CNJ 2011


Nº DE PROCESSOS PENDENTES


% TAXA DE CONGESTIONAMENTO


TRT 2ª Região - SP


610.653


50%


TRT 15ª Região - Campinas


566.832


42%


TRT 1ª Região - RJ


317.945


43%


TRT 5ª Região - BA


220.854


60%


TRT 4ª Região - RS


218.038


47%


TRT 3ª Região - MG


166.880


39%

         Podemos observar que, abertos os números do TRTs de SP, a região de Campinas e cidades adjacentes, é tão grande quanto a própria metrópole de SP, que inclui também as cidades do interior (centro/oeste do Estado). No TRT 2ª Região – SP, metade dos processos congestionou (50%); na região de Campinas, 42% não tiveram sentença definitiva terminativa; o TRT do RJ teve 43% de ações que não foram baixadas; o TRT 5ª Região – BA é o pior desempenho dos cinco maiores tribunais do país, com 60% dos processos sem solução naquele 2011; em seguida, o Rio Grande do Sul, com 47% de litígios sem sentença; e, por fim, o TRT de Minas Gerais é o que tem o melhor desempenho, com 39% de processos que congestionaram em suas serventias.

          Porque não dizer, no lugar de ‘congestionaram’, que os processos ‘encalharam’. São processos que não avançaram no período de um ano, sendo importante frisar que a maioria destes casos ‘encalhados’ não entrou no exercício de 2011, mas sim, se arrastam há anos, envolvendo expectativas, frustrações, recursos financeiros e outros temas de tamanha relevância na vida social do país.

          Outra falha percebida no relatório do CNJ é que ele não aponta a duração média do processo. Entretanto, havendo uma consulta aos órgãos de advocacia e profissionais militantes não é muito difícil apurar essa média de duração. Conforme visto anteriormente, os setores de poder e capital: bancário, indústria e telefonia, responsáveis por 71% dos processos em andamento, se utilizam de mega escritórios de advocacia, super equipados, com exércitos de advogados, interpondo todos os recursos permitidos em lei, e até mesmo os não permitidos, mas não proibidos ou censurados, para retardar o quanto seja possível o pagamento ao trabalhador. O processo começa na Vara do Trabalho; com recurso, vai ao Tribunal Regional do Trabalho; com o recurso subsequente, sobe ao Tribunal Superior do Trabalho e, ainda pode, se houver recurso novamente, ir ao Supremo Tribunal Federal, ou seja, quatro instâncias para solucionar a vida daquele reclamante: o trabalhador.  Esse andamento tramita, em média, numa janela entre 5 a 10 anos.

          Portanto, se imaginarmos que o trabalhador, quando entra na justiça contra o empregador, de modo geral, o faz porque já perdeu o emprego, e está cobrando direitos sonegados pelo patrão e, ainda, que em 12 meses (ou anos) não consegue obter a reparação do prejuízo provocado pelo empresário capitalista, fica evidente o dano provocado pelo sistema de justiça implementado pelo Estado, que afeta a vida do trabalhador no que mais lhe é importante e caro, desde os idos de 1844 do conflito entre trabalho e capital: o salário.

          E, afinal, porque assim se comportam as grandes empresas capitalistas? Já predizia Marx, que o capitalista pode facilmente dar outro rumo a seus negócios, assim mesmo, preferem percorrer todas as instâncias recursais e esgotar todos os meios processuais proporcionados pela legislação trabalhista para, somente depois de cinco ou dez anos, cumprir a sentença de primeiro grau. Prefere, neste longo espaço de tempo, aplicar o valor da condenação no mercado financeiro, ou outro investimento, onde auferirá rendimentos e dele extrairá a importância que será destinada ao trabalhador, quando não houver mais recursos judiciais.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

          Partindo dos pressupostos aqui estudados da Economia Política, Marx expõe que o trabalhador se configurou como mercadoria. Mercadoria barata, à medida que é forçado a aumentar o volume de sua produção, na proporção das exigências impostas na guerra da concorrência por mercados, e na concentração de capital nas mãos de poucos. E, apesar da evolução das relações econômicas na sociedade brasileira, não é diferente hoje da época da escrita do manuscrito, onde poderosos e oprimidos ou capitalistas e proletários, estão em permanente luta de classes; que desde 1844, até hoje, se tornou uma luta por salários, do trabalhador alienado, que recebe seu salário, muitas das vezes acreditando, unicamente, que aquela é a parcela que lhe cabe do lucro que ele próprio produz, sem outras perspectivas de mudanças ou melhoria.

          Todo este processo de luta social (de classes), fez com que o antigo Estado liberal se transformasse no Estado-Providência, ativamente envolvido na gestão dos conflitos através da lei. No entanto, segundo Marx, todo este sistema fora engendrado pelo próprio empregador e estado capitalista, para corresponder às reivindicações das relações mercantis, criando garantias através de comandos legais para assegurar a legitimidade das relações produtivas entre trabalho e capital.

          E, como visto, no Brasil tais Direitos Trabalhistas, ainda, adquiriram o status de garantia suprema, na própria Constituição da República de 1988, nos artigos 6º e 7º, além da CLT. Todavia, essa garantia não é plena. Apesar de os direitos estarem garantidos, a sua abrangência prática não está clara na maioria das normas dos artigos mencionados, do contrário os processos não durariam tanto tempo para serem solucionados. A mesma lei que se dispôs a garantir o trabalhador, também introduziu ferramentas jurídicas abomináveis, que estendem a duração de um processo por anos a fio, na tentativa de aclarar a tal abrangência prática. É o estado de direito contribuindo para a manutenção desse sistema de conflitos, apesar de propor o contrário.

          Enfim, o que temos de resultado de todo este conjunto de fatos é uma a crise social nas entranhas do judiciário trabalhista brasileiro, consolidando o confronto hostil do salário, previsto por Marx, neste caso, materializado na lei, e que se estende de forma negativa em toda a sociedade.

          Apesar do benefício que o salário representa por atender às necessidades do trabalhador, na visão marxista, o seu aparecimento trouxe severas desvantagens a este mesmo trabalhador. Em sua análise, do conceito econômico de salário, nos Manuscritos de 1844, evidenciando o tema da oposição entre capital e trabalho, vemos que tal confronto perdura e se expande de maneira complexa até os dias atuais. E que, em geral, finaliza com a vitória do capitalista, já que economicamente falando, este tem condições de sobreviver mais tempo sem o trabalhador do que este sem aquele, devido às condições materiais que favorecem o dono do capital e do trabalho.

SALARY:

THE HOSTILE CLASH, FROM 1844 TO 2013


          This paper aims to expound, from the perspective of Marxist Economic and Philosophical Manuscripts, about the rise of wages and the impact it had on the lives of workers and of capitalism itself. Then analyze how society in Brazil pursued to regulate this impact using a set of laws. And finally, do analysis of this discussion between labor and capital on earnings, when brought to the judiciary, and the effectiveness of this solution to the conflict between labor and capital, or employer and employee.
 
KEYWORDS: salary, workers, capital, conflict, classes.




[i] MARX, Karl. Manuscritos Econômico-Filosóficos. Ed. 1. Re. 2. São Paulo. Boitempo. 2008, p. 23.
[ii] Iden, p. 23.
[iii] Ibden, p. 25.
[iv] Ibden, p. 26.
[v] Iden, p. 26.
[vi] Ibden, p. 28.