sexta-feira, 14 de agosto de 2015


Ensino Jurídico e o Poder Judiciário



              O 1º Encontro de Escolas de Direito do Rio de Janeiro, que teve como Presidente o Prof. Dr. Aurélio Wander Bastos, realizou-se no dia 11 de agosto de 2015, no Instituto dos Advogados Brasileiros – IAB, que é presidido pelo Dr. Técio Lins e Silva, tendo como preocupação a comemoração dos 188 anos da criação dos Cursos Jurídicos no Brasil (1827).

 

            Nesta reunião, com professores e acadêmicos de várias Universidades do Rio de Janeiro, públicas e privadas, discutimos o cenário atual e propostas para um ensino jurídico e pesquisa sobre o Direito, que serão levadas para as pautas de discussão com entidades e órgãos nos foros apropriados.

 

Dentre os assuntos discutidos tivemos a oportunidade de debater os dados do Relatório Justiça em Números, do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) referentes a movimentação processual, nos diferentes Tribunais, recursos disponíveis, número de servidores, quantidade de magistrados para decidir, dentre outra série de comentários pertinentes.

 

            Os dados desta pesquisa do CNJ permitem demonstrar que, o que congestiona o funcionamento do Judiciário brasileiro, não é o alto volume de cidadãos litigantes, como inicialmente se tem levantado, mas o grande volume de ações promovidas pelo Poder Executivo na área fiscal, geralmente tendo no polo passivo os cidadãos. A leitura dos dados demonstra que, a Justiça em geral tem uma evidente função arrecadatória provocada pelo Poder Executivo, em qualquer de seus níveis. Por outro lado, os dados também demonstram a carência de magistrados, especialmente de 1º grau, onde se encontram o maior volume de processos.

 

            Verifica-se que tramitam na Justiça Brasileira atualmente (Relatório Justiça em Números 2014) cerca de 95 milhões de processos, o que significa que, para cada 2 (dois) brasileiros há 1 (um) processo em andamento, uma taxa excessiva em relação a outros países. Somente na Justiça Estadual de São Paulo e do Rio de Janeiro tramitaram 27% e 11%, respectivamente, destes 95 milhões de casos.

 

            Deste total de processos (Relatório de 2013) 78% (74,1 milhões) são (foram) de competência da Justiça Estadual (JE); 12% (11,4 milhões) da Justiça Federal (JF); 8% (7,6 milhões) da Justiça do Trabalho (JT); e, finalmente, uma quantidade ínfima, 2%, nos demais tribunais (Justiça Eleitoral, Justiça Militar, STJ, STM, TSE e TST).

 

            Atualmente a Justiça Estadual tem 11.960 magistrados, o que significa que cada um deles tem sob sua responsabilidade uma média de 6.195 processos. A Justiça Federal possui 1.714 magistrados, com uma carga de trabalho de 6.651 lides. E, finalmente, a Justiça Trabalhista tem 3.250 magistrados, para decidirem em média 2.338 processos.

 

            Tomando como referência os dados supra, considerando que o ano judicial para os tribunais tem 10 meses úteis, que cada mês, em média, tem 20 dias úteis, ou seja, em 200 dias de trabalho, cada juiz da Justiça Estadual no Brasil deveria decidir uma média de 31 processos por dia, ou seja, julgar 3,4 processos por hora, trabalhando 9 horas por dia. No que se refere a Justiça Federal, cada magistrado deveria julgar em 200 dias 33,2 processos por dia, e, por hora, 3,7 processos, trabalhando as mesmas 9 horas. E, na Justiça do Trabalho, o quadro tem uma inversão relevante, pois, em 200 dias de trabalho, cada magistrado julgaria por dia 11,7 processos, e tomando como referência 9 horas de trabalho, 1,3 por hora.

 

            A quantificação torna visível a situação numérica dos tribunais, mas é humanamente impossível alcançar estes resultados, pois os magistrados têm que participar das sessões públicas, de atividades burocráticas, entre outras ações que lhes são designadas.

 

            Do total das ações da Justiça Estadual, os indicadores do CNJ demonstram que 43% (31,8 milhões) dos 74,1 milhões de processos são de execução fiscal no 1º grau, verificando-se que os grandes litigantes são o Estado e o Município, que tem a iniciativa da ação, e não o cidadão, que aparece como réu. Este percentual torna-se mais grave no Rio de Janeiro, pois do total 62% são execuções fiscais, e em São Paulo 52%. Logo, o que contribui para emperrar a máquina judiciária estadual é o próprio Poder Público.

 

            Esta hipótese final se confirma, verificando-se que, na Justiça Federal, 39% (4,4 milhões) do total de processos de 11,4 milhões também são execuções fiscais, mantendo-se a mesma linha dos Estados e Municípios. Esses dados permitem mostrar que, o litigante cidadão não é exatamente aquele que congestiona o funcionamento judiciário, mas, o Poder Executivo em todos os seus níveis, cobrando impostos.

 

Outra pesquisa do DPJ-CNJ de 2011 aponta quem são os maiores litigantes a nível nacional, indicando que estão envolvidos nos processos: setor público federal (38%); bancos (38%); setor público estadual (8%); empresas de telefonia (6%); setor público municipal (5%); e outros litigantes (5%). Sobre estes números o DPJ informa ainda que, do total, estão no polo ativo, ou seja, como autores das ações: setor público federal (33%); bancos (45%); setor público estadual (28%); empresas de telefonia (22%); setor público municipal (97%); e outros litigantes (49%).

 

Esta pesquisa de 2011 nos permite inferir que, hoje, aplicados estes percentuais, e somados os cinco maiores litigantes do país, estes são autores em, pelo menos, 36,1 milhões de processos, mais de 1/3 das ações em todo o país.

            Por fim, do total de 16.429 magistrados (Relatório CNJ 2014), tomando como referência a relação juiz/processo da Justiça do Trabalho em 2013, ou seja, 1 juiz/2.338 processos por ano como carga de trabalho, a Justiça Estadual no Brasil deveria ter 31.693 magistrados, e a Justiça Federal deveria ter 4.876 magistrados.

 

Esses dados, dessa forma, demonstram que: é imprescindível uma eficiente formatação da política de execução fiscal no Brasil; além do Poder Público, os maiores setores da economia (bancos e telefonia) são responsáveis por milhões de processos como autores; que há carga de trabalho desigual nas mãos dos magistrados brasileiros. Fatores estes que contribuem para o congestionamento do Judiciário.

 

A reunião pôs em discussão o cruzamento das informações do Relatório, que muito bem permite demonstrar que o congestionamento do Poder Judiciário e outras informações relevantes sobre o funcionamento e a estrutura da instituição precisam ser debatidas nas universidades, pois é com este cenário que os futuros operadores do Direito terão que trabalhar, se nada vier a ser feito.

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