quinta-feira, 16 de junho de 2011

ERRO MÉDICO: UMA ANÁLISE DA LEI, DOS CONCEITOS E DAS DECISÕES NO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO RIO DE JANEIRO

Para citar este trabalho ou trechos do mesmo:


Autor: CARNEVALE, Marcos Carnevale Ignácio da Silva*
ERRO MÉDICO: UMA ANÁLISE DA LEI, DOS CONCEITOS E DAS DECISÕES NO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO RIO DE JANEIRO
Artigo apresentado no curso de pós-graduação lato sensu em Direito Privado, com docência, da Universidade Gama Filho. 2010.
*Advogado no Rio de Janeiro e Pós-Graduado com docência em: Direito Público (áreas de concentração Constitucional, Administrativo e Tributário), e em Direito Civil e Processo Civil, pela Universidade Estácio de Sá. E em Direito Privado pela Universidade Gama Filho.



SUMÁRIO



RESUMO  8

ABSTRACT         9

INTRODUÇÃO   10

1. A LEGISLAÇÃO APLICÁVEL AOS CASOS DE ERRO MÉDICO OU NOS ERROS COMETIDOS POR PROFISSIONAIS DE SAÚDE EM GERAL        12

1.1. O Código de Proteção e Defesa do Consumidor (CPDC ou CDC)   12

1.2. O Código Civil de 2002 (CC)     13

1.3. Constituição Federal de 1988 (CRFB ou CF)        15

1.4. Outros institutos jurídicos           16

2. CONCEITOS E DEFINIÇÕES GERAIS NO TEMA ERRO MÉDICO     17

2.1. Responsabilidade Civil     17

2.2. Responsabilidade Contratual e Extracontratual    18

2.3. Responsabilidade Objetiva e Subjetiva        18

2.4. Nexo Causal 19

2.5. Direito de Regresso          20

2.6. Obrigação de Meio e de Resultado    20

2.7. Erro Médico  21

2.8. Imperícia        22

2.9. Imprudência  23

2.10. Negligência 23

2.11. Danos Materiais   24

2.12. Danos Morais        25

2.13. Inversão do Ônus da Prova     25

2.14. O Dever de Informar       26

2.15. A Perda de Uma Chance         27

3. DESCRIÇÃO DA PESQUISA REALIZADA NAS DECISÕES DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO 28

3.1. Objetivo          28

3.2. Seleção e sistematização das decisões judiciais 29

3.2.1. Total de decisões analisadas            29

3.2.2. Abrangência geográfica           29

3.2.3. Tribunais pesquisados 29

3.2.4. Natureza e teor das decisões           30

3.2.5. Local e palavras-chave para a seleção das decisões 30

3.3. Leitura e análise das decisões selecionadas         30

3.3.1. Questionário         31

3.4. Tabulação para estatísticas sobre os resultados  31

3.5. Construção de tabelas e gráficos com os respectivos dados encontrados           32

4. DESCRIÇÃO DAS RESPOSTAS AO QUESTIONÁRIO E ANÁLISE DOS DADOS COLETADOS NA PESQUISA      33

4.1. Aspectos gerais das decisões  33

4.2. Respostas e análise do questionário 34

4.2.1. Quem eram os réus demandados nos processos        34

4.2.2. Quais eram os locais de maior ocorrência dos alegados erros médicos            35

4.2.3. Quais eram as principais especialidades demandadas ou envolvidas nos processos            36

4.2.4. Quais foram os resultados da segunda instância em relação ao pedido (favorável ou desfavorável ao autor)  37

4.2.5. Analisando as decisões de segunda instância, qual foi o comportamento dos juízes de primeira instância (favorável ou desfavorável ao autor)         38

4.2.6. Qual a natureza dos danos causados ou reconhecidos ao paciente/autor       39

4.2.7. Quais foram os resultados das decisões versus os réus      40

4.2.8. Quais foram os resultados das decisões versus os locais de maior ocorrência do erro            42

4.2.9. Quais foram os resultados das decisões versus as especialidades demandadas/envolvidas          44

4.2.10. Quais foram os valores ou as obrigações impostas nas condenações            48

5. CONCLUSÃO           51

REFERÊNCIAS 52





Este trabalho teve dois objetivos. O primeiro, de revisar a legislação atualmente aplicável e os conceitos e definições gerais no tema erro médico e responsabilidade civil dos profissionais de saúde em geral, para assim, agrupar um conjunto de informações identificadas como relevantes, tanto para estudiosos do tema, como também para os profissionais da área de saúde, quanto a estas definições e leis que os enquadram na condição de réus nas ações. É pertinente ressaltar que o termo “erro médico” nem sempre é o mais adequado para enquadrar todas as lesões que envolvem os serviços de saúde prestados defeituosamente, no entanto, esta nomenclatura se popularizou, sendo usado costumeiramente para referir-se a estas demandas. Há quem considere que o termo correto é “má prática”. O segundo eixo de pesquisa neste trabalho foi o de verificar o comportamento das decisões no Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro (TJRJ) nos processos sobre a chamada, Responsabilidade Civil por Erro Médico, de modo a fornecer informações que nos orientem sobre como tem sido as decisões dos magistrados em suas sentenças quando enfrentam a diversidade de pedidos e razões que embasam tais pedidos judiciais. Aqui, o trabalho foi elaborado visando atingir objetivos específicos na pesquisa, tais como: a) quantificar as decisões sobre o alegado erro médico proferidas pelo TJRJ, analisados ao longo do ano de 2008 e seus resultados quanto ao posicionamento do judiciário; b) verificar quais são os réus dessas demandas judiciais (hospitais públicos ou privados, médicos, operadoras de planos de saúde, etc.); c) identificar os locais de maior ocorrência dos alegados erros médicos ou de procedimentos; d) descobrir quais especialidades médicas foram demandadas ou qual a especialidade médica envolvida com o respectivo erro; e) identificar quais os tipos de danos causados e reconhecidos nas decisões do TJRJ; f) conhecer quantitativa e qualitativamente as sanções aplicadas nas ações que reconhecem a prática do erro médico. Foi preciso trabalhar em várias fases, dentre elas: seleção e sistematização das decisões judiciais, leitura e análise das decisões selecionadas, tabulação para estatísticas sobre os resultados e construção de tabelas e gráficos com os respectivos dados encontrados. Enfim, o resultado final deverá cingir como um verdadeiro retrato do tema, tanto doutrinariamente como também das decisões no judiciário do Estado.



Palavras-chave: Erro Médico; Responsabilidade Civil; Imperícia; Imprudência; Negligência.


CIVIL LEGAL ASPECTS FOR:

MEDICAL MALPRACTICE: AN ANALYSIS OF LAW, CONCEPTS, AND DECISIONS FROM THE COURT OF RIO DE JANEIRO


This study had two main objectives. The first, to review the currently applicable law, concepts and definitions in the general theme medical malpractice and liability of health professionals, thus to join a range of information identified as a major doubt form law operator as also from health professionals about these contents. The second is, to verify the behavior decisions at the Court of Rio de Janeiro, in proceedings for Medical Malpratices, in order to provide information to guide us on how it has been the behavior of judges in their sentences when faces a range of demands, and reasons that support such claims court. Here the work was done in order to achieve specific goals such as: a) quantify the decisions about the alleged medical mistake in the TJRJ analyzed during the year 2008 and its results regarding the positioning of judges; b) check what is the defendants on these lawsuits (public or private hospitals, physicians, health plan operators, etc..); c) identify areas of higher occurrence of mistakes in medical procedures; d) find out what medical specialties are sued or what was the specialty involved with the medical malpactice; e) identify the types of damage recognized in the decisions form TJRJ; f) understand quantitatively and qualitatively the sanctions imposed from the lawsuits that recognize the medical malpractice. Was necessary work on several phases, to figure out the end results and show a true portrait of the subject, both doctrinally but also of the decisions in the state, at least, until specific laws on the subject and new concepts that will be formed in our society, which justifies the discussion and enhance the theme even more.


Key-words: Medical Malpratice; Legal Aspects; Malpractice; Dangerous Behavior; Negligence.


INTRODUÇÃO



De imediato, vale destacar que o termo “erro médico” nem sempre é o mais adequado para enquadrar todas as lesões que envolvem os serviços de saúde prestados defeituosamente, no entanto, o termo se popularizou, sendo usado costumeiramente para descrever tal situação. Há quem considere que o termo correto é “má prática”.

Relevante mesmo é que os processos judiciais no Brasil, de pacientes em face dos seus médicos e/ou respectivos hospitais, ou prestadores de serviços de saúde em geral, vem aumentando nos últimos tempos. Tudo isso, graças a que o cidadão que busca este tipo de serviço começou, na última década, a organizar-se em associações de pacientes para defender os direitos daqueles lesados por um serviço prestado de forma defeituosa.

Aliado a esta organização dos pacientes, lamentavelmente, outro fator influenciador é o aumento do número de médicos com formação deficiente. De fato, segundo relatório da Associação Brasileira de Educação Médica (ABEM), no projeto CINAEM (Comissão Interinstitucional Nacional de Avaliação das Escolas Médicas), foram levantados dados de uma avaliação do ensino médico no Brasil e, segundo este estudo, “as escolas médicas não estão formando profissionais que atendam às necessidades da população, posto que os médicos recém-formados estão egressando das faculdades com uma formação ética e humanística deficiente e especialização precoce”[1].

Outro fator bastante realçado é a questão dos médicos atuais estarem de certa forma substituindo a anamnese e o exame físico pelos exames complementares. Isto provoca um afastamento entre médicos e pacientes e decisões terapêuticas que podem ser equivocadas sem aqueles exames tradicionais.

Além disso, os pacientes têm a tendência de acreditar que ocorre “erro médico” quando as suas expectativas não são atendidas. E, por não possuírem conhecimentos técnicos para valorar se houve erro, os pacientes julgam seus médicos mais pelo seu comportamento humano e pela qualidade do relacionamento dispensado àqueles.

A maior parte dos estudiosos é veemente em afirmar que o principal fator responsável por este aumento no número de processos contra médicos é a má qualidade de relacionamento entre o médico e seus pacientes. Estudos realizados a mais de 11 anos já apontavam esta falha, tal como GOMES e FRANÇA[2].

Na prática, a legislação empregada é a mesma utilizada para os casos de responsabilidade civil em geral e essa não tem, em nosso ordenamento jurídico, um conjunto de regras específicas para a responsabilidade civil no erro médico, portanto, neste estudo vamos mencionar a legislação aplicável.

Nos dias atuais já existe uma doutrina tradicional sobre o tema. Entretanto, na jurisprudência há discrepâncias, tanto que, de casos muito parecidos, talvez idênticos, podem-se esperar decisões judiciais totalmente diferentes. Isto causa muitas dúvidas e perguntas dos estudiosos do tema e mesmo dos próprios médicos, que terminam por não entender determinados conceitos ligados a hermenêutica da lei.

1. A LEGISLAÇÃO APLICÁVEL AOS CASOS DE ERRO MÉDICO OU NOS ERROS COMETIDOS POR PROFISSIONAIS DE SAÚDE EM GERAL



Trabalharemos basicamente neste item 1, os comentários sobre as principais legislações aplicáveis atualmente ao tema, o Código de Defesa do Consumidor (CDC); o Código Civil de 2002 (CC); e a Constituição Federal (CF). Muitas vezes aparecerão expressões que merecem detalhamento, tais como, nexo causal, imperícia, negligência, dano moral, entre outras, mas tais conceitos serão estudados no capítulo seguinte.




A Lei 8.078 de 11 de setembro de 1990 é o instituto jurídico basilar quando se trata de enquadrar os direitos e obrigações daqueles profissionais que oferecem serviços na área de saúde, seja como profissional liberal ou na forma de pessoa jurídica.

É comum encontrar nas decisões do judiciário a citação ao artigo 14 da lei, que trata diretamente da responsabilidade do fornecedor de qualquer serviço, não só os da área de saúde. Vejamos o que diz o artigo:



Art. 14. O fornecedor de serviços responde, independentemente da existência de culpa, pela reparação dos danos causados aos consumidores por defeitos relativos à prestação dos serviços, bem como por informações insuficientes ou inadequadas sobre sua fruição e riscos.

           

            Assim, terá que reparar via indenização, geralmente pecuniária, mas também muitas vezes com uma obrigação de fazer algo, aquele fornecedor de serviço de saúde que, conforme o caso, ficar provado que por negligência, imperícia e imprudência, causar dano ao paciente ou seus familiares.

            Entretanto, há uma situação peculiar no que se refere ao médico ou profissional da área de saúde, desde que este se enquadre como o chamado profissional liberal. Para estes, terá que ser provada sua culpa, haverá de existir o que se chama de nexo causal, entre a conduta do profissional e o dano causado ao paciente. Isto está descrito no parágrafo 4º, do artigo 14 acima mencionado.



§ 4°. A responsabilidade pessoal dos profissionais liberais será apurada mediante a verificação de culpa.



            Enfim, quanto ao profissional liberal, deverá aquele que se sentiu prejudicado, provar que o médico agiu sem a observância dos preceitos que regem a boa prática da medicina.

            Outro ponto importante, por vezes questionado pelos médicos ou fornecedores de serviços de saúde em geral (hospitais, clínicas, laboratórios, planos de saúde, etc), é o que se chama de “a tese da inversão do ônus da prova”. No Direito brasileiro, geralmente, aquele que acusa é responsável por provar que o prejuízo que sofreu decorre de serviço defeituoso, entretanto, de maneira geral, nos casos de erro médico os magistrados tendem a crer que paciente é hipossuficiente em mostrar, com palavras técnicas, o erro que foi cometido, cabendo assim ao médico/fornecedor de serviço, e os outros responsáveis solidários, provar a ausência de culpa na prestação do serviço. Tal inversão deste dever se dá pela norma contida no art. 6º, inciso VIII do CDC que, em resumo, professa que poderá ser invertido o ônus da prova, em favor do consumidor. E assim diz o inciso VIII:



VIII. “...no processo civil, quando, a critério do juiz, for verossímil a alegação ou quando for ele hipossuficiente,...”



            É comum, também, que os autores das ações requeiram a inversão do ônus da prova porque, geralmente, os réus estão em posição mais privilegiada, seja profissional ou financeira que os autores, prejudicados pelo suposto dano, tratando assim de empurrar para o réu um ônus muito comum nestes processos, o do pagamento da perícia para comprovação da lesão.




Inúmeros artigos que se aplicam aos casos de prestação de serviço médico defeituoso podem ser extraídos da Lei 10.406, de 10 de janeiro de 2002, o Código Civil Brasileiro. Mencionaremos a lista dos artigos mais usados nas decisões pelos magistrados brasileiros embora, nem sempre, vamos encontrá-los mencionados claramente nas decisões. São eles:



- Art. 927. Aquele que, por ato ilícito (arts. 186 e 187), causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo.

Parágrafo único - Haverá obrigação de reparar o dano, independentemente de culpa, nos casos especificados em lei, ou quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, risco para os direitos de outrem. (o art. 927 nos remete então aos artigos 186 e 187):

- Art. 186. Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito.

- Art. 187. Também comete ato ilícito o titular de um direito que, ao exercê-lo, excede manifestamente os limites impostos pelo seu fim econômico ou social, pela boa-fé ou pelos bons costumes.

- Art. 948. No caso de homicídio, a indenização consiste, sem excluir outras reparações:

I - no pagamento das despesas com o tratamento da vítima, seu funeral e o luto da família;

II - na prestação de alimentos às pessoas a quem o morto os devia, levando-se em conta a duração provável da vida da vítima.

- Art. 949. No caso de lesão ou outra ofensa à saúde, o ofensor indenizará o ofendido das despesas do tratamento e dos lucros cessantes até ao fim da convalescença, além de algum outro prejuízo que o ofendido prove haver sofrido.

- Art. 950. Se da ofensa resultar defeito pelo qual o ofendido não possa exercer o seu ofício ou profissão, ou se lhe diminua a capacidade de trabalho, a indenização, além das despesas do tratamento e lucros cessantes até ao fim da convalescença, incluirá pensão correspondente à importância do trabalho para que se inabilitou, ou da depreciação que ele sofreu.

- Art. 951. O disposto nos arts. 948, 949 e 950 aplica-se ainda no caso de indenização devida por aquele que, no exercício de atividade profissional, por negligência, imprudência ou imperícia, causar a morte do paciente, agravar-lhe o mal, causar-lhe lesão, ou inabilitá-lo para o trabalho.

- Art. 43. As pessoas jurídicas de direito público interno são civilmente responsáveis por atos dos seus agentes que nessa qualidade causem danos a terceiros, ressalvado direito regressivo contra os causadores do dano, se houver, por parte destes, culpa ou dolo.



Da leitura destes institutos, podemos observar que deles advém diversas obrigações encontradas nas decisões que sentenciam os casos de erro médico, tais como: obrigação de o réu custear cirurgias ou tratamentos para corrigir um problema; pagar as despesas de funeral e outras decorrentes de morte do paciente; custear pensão até uma determinada idade ou vitalícia; pagar um valor em dinheiro para corrigir o dano moral enfrentado pelo paciente ou seu familiar; condenação do hospital, clínica ou plano de saúde pelo erro cometido pelo profissional, e não propriamente pela entidade; etc.

Basicamente, estes artigos são os mais importantes e norteiam as decisões no que se refere aos aspectos civis das decisões judiciais. E, como mencionado, estudaremos mais adiante conceitos importantes que se extraem destes artigos, como os danos emergentes, lucros cessantes, direito de regresso, negligência, imprudência e imperícia.




            O primeiro deles, previsto na CF é o artigo 5º, onde em seus incisos V e X, versam sobre reparação de danos materiais e morais, prevendo assim que, aquele que violar tais direitos garantidos constitucionalmente, será compelido a repará-los.



                                    Artigo 5º (...)



V - é assegurado o direito de resposta, proporcional ao agravo, além da indenização por dano material, moral ou à imagem;



X - são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação;



Da CF podemos extrair também um artigo importante, o 37, e seu parágrafo 6º, que repete parte do artigo 43, do CC. Nele está descrita a responsabilidade objetiva das instituições, públicas ou privadas, por aqueles profissionais que para estas trabalham e venham a cometer um prejuízo de qualquer monta, ou seja, lesão material ou moral, em face de um paciente ou parente deste. Assim diz o parágrafo 6º, do artigo 37:



§ 6º. As pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado prestadoras de serviços públicos responderão pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros, assegurado o direito de regresso contra o responsável nos casos de dolo ou culpa.



            Evidenciamos que este parágrafo empurra a obrigação de reparar o dano, ou seja, quase sempre de pagar o valor da condenação, para a instituição que emprega o médico ou o profissional de saúde. Esta determinação legal é que faz com que muitos autores ingressem em juízo, alegando um erro cometido por um médico, mas apontando como réu a instituição empregadora deste, ou mesmo o plano de saúde que o indicou. É pertinente observar que este parágrafo 6º abre para a instituição, que por ventura for condenada a indenizar um paciente/familiar, a possibilidade de cobrar daquele profissional que causou o dano, o que ela instituição teve que gastar para reparar o prejuízo pelo erro cometido.




            Se pesquisarmos, vamos encontrar outros institutos jurídicos que também podem encaixar-se no tema, tais como, o artigo 231, do CC, que diz que – Aquele que se nega a submeter-se a exame médico necessário não poderá aproveitar-se de sua recusa – ou – o artigo 945, do CC, que preceitua que – Se a vítima tiver concorrido culposamente para o evento danoso, a sua indenização será fixada tendo-se em conta a gravidade de sua culpa em confronto com a do autor do dano. Analisando tais institutos jurídicos, vemos que a lei não apoia o paciente ou o familiar em todos os casos, assim, se ele concorrer para a ocorrência do evento danoso poderá ter sentença que lhe seja desfavorável, e arcar com as custas e honorários de advogado da outra parte.

Também existem outras leis, como a Lei 9.431/97, que dispõe sobre a obrigatoriedade da manutenção de programa de controle de infecções hospitalares pelos hospitais do país, e até mesmo o Código de ética Médica (Resolução CFM nº 1.246/88), que poderiam ser citados como normatizadores de práticas que, se não respeitadas, podem gerar lesões passíveis de indenização.

            Enfim, basicamente, mencionamos a legislação aplicável mais relevante e, freqüentemente, basilares das sentenças, em primeiro grau, e dos acórdãos nos Tribunais Estaduais e Superiores, entretanto, ao longo do trabalho poderemos fazer menção a outros dispositivos legais referentes ao tema.

            Passaremos agora, no capítulo a seguir, a analisar alguns conceitos extraídos da lei e da doutrina, que dizem respeito à hermenêutica da lei, que causam dúvidas sobre o tema, especialmente aos médicos, profissionais e fornecedores de serviços de saúde.

2. CONCEITOS E DEFINIÇÕES GERAIS NO TEMA ERRO MÉDICO



            Neste capítulo, exploraremos conceitos e definições que geralmente embasam, implícita ou explicitamente, as sentenças e acórdãos nos tribunais, e que muitas vezes aparecem escritos na própria letra da lei. Ou seja, reuniremos os principais conceitos, sem pretender esgotar o vasto assunto referente a responsabilidade civil, sobre a prestação de serviços defeituosa na área médica e dos profissionais de saúde, concentrando aqui termos e nomenclaturas pertinentes ao assunto.




            O Código Civil, no título IX, Capítulo I, começando pelo artigo 927, elenca o tema responsabilidade civil e as normas pertinentes para sua configuração e reparação de prejuízo causado pelo agente do dano a outrem. Ou seja, é uma conduta humana que viola um dever jurídico que, por isso, merece algum tipo de indenização. Assim, diz-se que, “responsabilidade civil é um dever jurídico sucessivo que surge para recompor o dano decorrente da violação de um dever jurídico originário”[3].

Desta forma, com o médico não é diferente. Provado o nexo causal entre a conduta do profissional de saúde, novamente ressaltando, seja ele médico, enfermeiro, profissional de análises clínicas, ou mesmo administrador da instituição, e o dano que sofreu o paciente, este haverá de ser recomposto. Normalmente, isso se dá por uma indenização, para tentar restabelecer o status anterior, o que em se tratando de saúde, muitas vezes não há indenização que cubra o prejuízo, por exemplo, quando há morte do familiar que vinha sendo atendido.




            O nosso Código Civil distingue duas espécies de responsabilidade. Define, de forma genérica, a extracontratual, nos já mencionados artigos 186, 187 e 927 e seguintes. E, nos artigos 389 e seguintes, estabelece a responsabilidade contratual.

            Desta forma, enquanto a responsabilidade contratual tem sua origem na convenção entre as partes, a extracontratual tem assento na inobservância do dever genérico de não lesar, de não causar prejuízo a outrem.

            Estes conceitos atingem relevância quando, por exemplo, surge a clássica discussão sobre se a prestação de serviço, entre o médico privado que atende o paciente no seu consultório ou, se aquele que é atendido em uma emergência hospitalar, estarão celebrando um contrato de prestação de serviço, mesmo sem assinar nada, controvérsia esta clara para os operadores do direito mas, as vezes, obscura para o profissional de saúde.

Assim, o fato concreto é que, mesmo o atendimento do paciente em consultório privado, onde ele é atendido e sai dali com uma receita, já configura, no mínimo, um contrato verbal, pois o serviço foi prestado. Entretanto, a verdade é que, com o advento do Código de Defesa do Consumidor, esta dicotomia, ou seja, se a responsabilidade é contratual ou extracontratual, praticamente está superada no artigo 17, onde, este dispositivo “submeteu a responsabilidade do fornecedor a um tratamento unitário”[4]. Desta forma, tanto faz se há contrato firmado ou não.




            Um dos conceitos mais importantes no embasamento de muitas decisões estudadas neste trabalho é o de se o ato lesivo foi praticado com culpa, que define se haverá ou não obrigação de indenizar. Nas palavras de Sergio Cavalieri, “A idéia de culpa está literalmente ligada à responsabilidade, por isso que, de regra, ninguém pode merecer censura ou juízo de reprovação sem que tenha faltado com o dever de cautela em seu agir. Daí ser a culpa, de acordo com a teoria clássica, o principal pressuposto da responsabilidade civil subjetiva”[5].

            Por outro lado, na responsabilidade civil objetiva, geralmente, é a lei que impõe, em determinadas situações, a obrigação de reparar o dano, independentemente de haver culpa ou não. Basta que exista o dano e o nexo de causalidade para justificar a responsabilidade civil do fornecedor de serviço médico. Em alguns casos, presume-se a culpa (responsabilidade in re ipsa, que veremos mais claramente adiante no conceito de dano moral), noutros, a prova da culpa é totalmente prescindível (responsabilidade civil objetiva propriamente dita).

Em se tratando do profissional liberal, como é o caso do médico, conforme visto no item 1 (legislação), para ter provada sua culpa é preciso que exista o que se chama de nexo causal, entre a conduta do profissional e o dano causado ao paciente. Isto está previsto no parágrafo 4º, do artigo 14, do CDC. Assim, se não for possível ao lesado provar a culpa do profissional que o atendeu, este nada terá que indenizar.




            O conceito de nexo causal não é exclusivo do mundo jurídico. É a ligação de causa e efeito entre a conduta e o resultado por aquela produzido. No judiciário, o que o magistrado fará é analisar, com precisão, se determinado resultado danoso ocasionado a um paciente tem relação com a ação do profissional que o atendeu. “A rigor, é a primeira questão a ser enfrentada na solução de qualquer caso envolvendo responsabilidade civil”[6].

            Geralmente, o juiz não tem condições de interpretar por si se, esta ou aquela técnica, ou se, este ou aquele medicamento ministrado por um médico, foi o fator determinante para provocar a lesão. Assim, para chegar à decisão sobre os supostos erros médicos que chegam aos tribunais eles lançam mão da perícia para apurar a conduta e o resultado, identificando assim o nexo causal




            Conforme estudado acima, uma das modalidades de responsabilidade é a objetiva, descrita na lei de acordo aos artigos 927, parágrafo único, e artigo 931, do CC, combinado com outros artigos em nosso ordenamento jurídico.

Por exemplo, temos: a responsabilidade objetiva do Estado em relação ao seu servidor que, por ventura, tenha causado dano a um cidadão, ou até mesmo a uma empresa privada (artigo 37, § 6º, da CF); há, também, a responsabilidade do fornecedor de serviços e produtos, cujo empregado ou preposto tenham atuado culposamente (artigos 12 e 14, do CDC).

Desta forma, se o Estado, uma clínica, um hospital, ou qualquer prestador de serviço de saúde, que se enquadre na obrigação de indenizar na forma objetiva, for condenado a indenizar ao lesado por um erro cometido por um médico/profissional de saúde seu empregado, tem o direito de reaver deste o que pagou pela condenação judicial que sofreu. Este é o direito de regresso, previsto no artigo 934, do CC.



Art. 934. Aquele que ressarcir o dano causado por outrem pode reaver o que houver pago daquele por quem pagou, salvo se o causador do dano for descendente seu, absoluta ou relativamente incapaz.




            No contrato de serviços, verbal ou escrito, pactuado com o médico ou com o hospital, por óbvio, não está implícita a cura, mas sim a utilização dos meios para obtê-la.

Deve ficar claro que o médico não é obrigatoriamente responsável civil ou criminalmente pela morte de um paciente apenas porque cuidava dele, ou porque ao ministrar um determinado medicamento houve reação danosa. É preciso que haja prova robusta de que o médico tenha agido de forma imprópria, não recomendada pela ciência médica. É esta conduta é que vai ditar se houve culpa, passível de penalidade criminal, ou mesmo culpa contratual, ou descumprimento do contrato civil.

            Já a obrigação de resultado é aquela em que o médico se obriga a dar solução ao problema de seu paciente e, portanto, sua responsabilidade não está restrita a usar dos meios para obtê-la, mas ao próprio resultado prometido ao paciente. Esta é a situação, por exemplo, das cirurgias meramente estéticas, ou de embelezamento, mas também pode ser das cirurgias de olhos, em que os anúncios apregoam milagres na solução da miopia ou do astigmatismo, ou lesão decorrente de qualquer outra atividade médica apenas para embelezamento. Nestes contextos estão implícitas as dietas milagrosas e até a utilização de aparelhagens ou drogas e etc.

            Torna-se mais claro explicar tais conceitos do ponto de vista da obrigação nas cirurgias estéticas. Onde existem duas situações: na cirurgia plástica embelezadora se impõe a obrigação de resultado, ou seja, o resultado da cirurgia deve corresponder ao prometido ou contratado, assim, se houve promessa de um nariz belo, o resultado não pode ser outro; a segunda situação é a cirurgia plástica reparadora, que impõe obrigação de meio, ou seja, o médico se obriga a tentar os meios necessários a obter o melhor resultado, mas não há compromisso de resultado, assim, se o paciente chega acidentado ao hospital, com séria lesões em sua face, por exemplo, o cirurgião não tem obrigação de deixá-lo belo, mas sim, de minimizar os danos que ele sofreu.




            Segundo Genival Veloso de França, na medicina legal se define a responsabilidade do médico como “A obrigação de ordem civil, penal e administrativa, a que estão sujeitos os médicos, no exercício profissional, quando de um resultado lesivo ao paciente, por imprudência, imperícia e negligência. Tal forma de responsabilidade fundamenta-se no princípio da culpa, em que o agente dá causa a um dano, sem o devido cuidado a que normalmente está obrigado a ter, e não o evita por julgar que esse resultado não se configure”[7].

            É importante observar que a doutrina médica vem se esforçando para separar o “mal resultado” do “erro médico”. Diz-se que este se dá, quase sempre, com culpa e, que o mal resultado seria uma causa de exclusão da culpa. Englobando o que se chama de “acidente imprevisível” e o “resultado incontrolável”. Assim, “no acidente imprevisível há um resultado lesivo, supostamente oriundo de caso fortuito ou força maior à integridade física ou psíquica do paciente durante o ato médico ou em face dele” e, “no resultado incontrolável, oriundo de uma situação grave, de curso inexorável, o resultado danoso seria decorrente de sua própria evolução, para o qual as condições atuais da ciência e a capacidade profissional ainda não oferecem solução”[8].E há quem, ainda, fale em erro e insucesso, conforme o trecho extraído de uma das decisões que fizeram parte do estudo em questão: Decisão do ano 2008, apelação cível nº 2008.001.22925.



“Encarando-se a doença como uma perversão do correto biológico, identificamos a doença como um erro da natureza. Ao médico, a responsabilidade de enfrentar os erros da natureza, corrigindo-os, quando possível. Encontra-se, certamente, em evidente desvantagem. Daí, de exigir-se dele a aplicação de conhecimentos adequados, das técnicas usuais disponíveis, probidade e zelo no trato dos enfermos. Aí residirá a distinção entre erro e insucesso. O erro está calcado na figura da culpa; o insucesso, na imponderabilidade biológica.”



O fato é que, se buscarmos na doutrina médica ou jurídica, encontraremos vários conceitos sobre a nomenclatura “erro médico”. Enfim, todos vão convergir sempre para classificá-lo como a conduta profissional inadequada que supõe uma inobservância técnica, capaz de produzir um dano à vida ou à saúde de outrem, caracterizada por imperícia, imprudência ou negligência.




            É muito comum encontrar na doutrina e nas decisões sobre processos por erro médico a menção aos termos “imperícia, imprudência e negligência”, usados para qualificar o erro ou para tentar encaixá-lo em uma categoria. Estas nomenclaturas vem mencionadas no artigo 951, do CC.

Primeiramente, quanto à imperícia, esta decorre da falta de observação das normas técnicas, por despreparo prático ou insuficiência de conhecimento.

Dá-se quando o profissional pratica (ou deixa de praticar ato) de maneira imprópria, equivocada ou recomendada pela prática médica de forma diferente. São exemplos de imperícia: quando o médico aplica uma anestesia em local impróprio; faz corte em órgão que não pode ser recuperado; amputa órgão errado; trata do dente errado; extirpa órgão sadio, etc.




            Já, a imprudência, ocorre quando o médico, por ação ou omissão, assume procedimentos de risco para o paciente sem respaldo científico ou, sobretudo, sem esclarecimentos à parte interessada. Ou seja, pratica ato que não deveria praticar em razão do senso comum ou de regra profissional. Como exemplos temos: realiza uma cirurgia de risco sem ter disponíveis os recursos e equipamentos necessários; receita medicamento sem acercar-se das contra-indicações para aquele paciente; utiliza métodos, aparelhos ou equipamentos notoriamente impróprios ou ultrapassados dentro do senso comum na ciência médica; realiza cirurgia em hospital que não possui equipamentos adequados para minimizar os riscos desta.




            E quanto à negligência, esta se dá quando o profissional negligencia, trata com descaso ou pouco interesse, os deveres e compromissos éticos com o paciente, e até com a instituição em que trabalha. Quer dizer, quando o médico deixa de praticar ato que deveria praticar em razão do estado do paciente. São exemplos: deixar de mandar fazer espécie de exame quando os sintomas sugerem certo tipo de doença; deixar de esterilizar os instrumentos da cirurgia; deixar de usar equipamentos recomendados para inibir a infecção hospitalar; deixar de trocar as luvas ao fazer nova cirurgia; deixar de ministrar medicamento notoriamente indicado para o sintoma do paciente em estado grave; deixar instrumentos, gaze, ou objetos no interior do corpo do paciente operado.




            Conforme disposto no artigo 402, do CC, os danos materiais abrangem, tudo o que o prejudicado perdeu em razão do erro, como também aquilo que ele deixou de ganhar. Ou seja, as indenizações pelo dano material devem incluir os custos dos procedimentos necessários a restaurar ou reduzir as seqüelas ou danos do paciente, como por exemplos: cirurgias reparadoras; tratamentos hospitalares; tratamento psicológico; próteses (para substituir órgãos); perda de capacidade laboral; lucro cessante em razão do tratamento; etc. São os chamados “danos emergentes” e os “lucros cessantes”.

            Uma controvérsia interessante quanto aos danos materiais é a forma de calcular os danos emergentes e/ou lucros cessantes ou mesmo uma pensão mensal, que seja devida ao paciente que ficar parcial ou totalmente inabilitado para o trabalho. Estes danos serão calculados levando em consideração a renda do paciente, devidamente comprovada anteriormente à lesão por erro médico. O ordenamento jurídico brasileiro somente admite a indenização pelos danos diretos e imediatos, causados por um ato lesivo. Não raro é encontrar autores fazendo pedidos de indenizações hipotéticas e futuras, mas estas não encontram acolhida nas decisões dos tribunais em nosso país, quer dizer, por exemplo, não adianta defender que o lesado estava prestes a ser promovido e seu salário aumentaria em 30%. Prestes, significa que poderia ou não ser promovido, neste caso, a indenização só levará em conta o salário que efetivamente era percebido pelo lesado.

            Assim, os danos emergentes são aqueles diretos, imediatos, e necessitam de comprovação documental (recibos, notas fiscais e outros similares). E os lucros cessantes será tudo aquilo que o paciente deixou de auferir no exercício de sua atividade profissional, por eventual dano por erro médico, e se baseiam na comprovação da renda do lesado através de documentação idônea.




            As indenizações pelo dano moral serão arbitradas pelo juiz em razão da incidência e extensão do sofrimento da vítima. Não existem parâmetros em nosso ordenamento jurídico para medir o sofrimento do paciente ou familiar. O que ocorre é que o juiz, considerando o dano em razão da dor física, em razão do sentimento de perda, do dano estético (beleza ou repulsa), a frustração (noivado desfeito em razão da repulsa), estado de angústia familiar, a perda de função em qualquer órgão, o dano à imagem (o machão por exemplo), etc., decidirá, com seu livre arbítrio, mas sempre observando critérios presentes na literatura científica (doutrina) do direito brasileiro e a jurisprudência (ou seja, como vêm decidindo os tribunais brasileiros), predominante em um dado momento, estimando quanto vale esta ofensa a intimidade moral do autor do processo.

            Outra expressão que muito se encontra citada nas decisões que se referem ao dano moral sofrido pelo autor, ou familiar, é a expressão – O DANO MORAL DECORRE IN RE IPSA – ou seja, aqui se trata do dano moral presumido. Em regra, para a configuração do dano moral é necessário provar a conduta, o dano e o nexo causal, no entanto, excepcionalmente o dano moral é presumido, ou seja, independe da comprovação do grande abalo psicológico sofrido pela vítima. Como exemplo, é fato notório que, aquele que se submeteu a uma cirurgia de amputação de membro direito e, erroneamente, teve amputado membro esquerdo, evidentemente sofrerá abalo psicológico na sua intimidade moral, merecendo assim indenização.




            No direito brasileiro, a regra geral é, aquele que propõe uma ação na justiça objetivando condenar a outrem por um fato ou conduta praticada por este, que lhe tenha trazido prejuízo, tem que provar tais fatos ou tal conduta, esta regra está contida no artigo 333, do CPC, que assim dispõe:



Art. 333 - O ônus da prova incumbe:



I - ao autor, quanto ao fato constitutivo do seu direito;

II - ao réu, quanto à existência de fato impeditivo, modificativo ou extintivo do direito do autor.



            No entanto, algumas vezes, em se tratando da relação consumerista, como assim é tratada a prestação de serviços de saúde, há regra especial que se aplica caso a caso. O artigo 6º, do CDC, no seu inciso VIII, prevê que, para facilitar a defesa dos direitos do consumidor, o juiz, de acordo a seu critério, poderá inverter este ônus da prova de que trata o artigo 333, do CC, quando entender que a alegação do paciente é verossímil e for ele hipossuficiente para produzir esta prova.

            Nas relações de consumo, nossa lei “...procura proteger os mais fracos contra os mais poderosos, o leigo contra o melhor informado...”[9] e, fato é que, geralmente, o paciente não tem capacidade técnica para provar que o médico errou, assim, quem tem que provar que não errou é o médico pois, teoricamente, ele é melhor informado que o paciente.




            Uma vez mais a lei do consumidor vem regular a matéria, nos “artigos 6º, inciso II, 31 e 39 (que traz uma série de incisos proibindo determinadas práticas), e o Código Civil, no artigo 422”[10]. Combinando estes artigos, veremos que, em se tratando de prestação de serviço médico, seja verbal ou em contrato com cláusulas definidas, esta relação médico e/ou hospital/paciente, tem que ser regada de clareza entre aquilo que requer o paciente para seu tratamento e os métodos ou riscos a que está submetido naquele tratamento, principalmente porque a lei até mesmo previu isto textualmente, no artigo 15, do CC, que diz: “Ninguém pode ser constrangido a submeter-se, com risco de vida, a tratamento médico ou a intervenção cirúrgica”. Ou seja, a atividade médica por si só é essencialmente perigosa e o médico não tem o direito de decidir sozinho qual tratamento dará ao paciente, a menos que seja uma emergência, por isso está obrigado a informar todos os benefícios e também os riscos do tratamento, e se o fizer estará se protegendo de qualquer indenização caso advenha um insucesso.




            Esta é uma teoria que vem ganhando espaço em nossos tribunais, trazida por estudiosos do direito estrangeiro. Trata-se de uma espécie de alargamento do nexo causal, onde o juiz dará especial ênfase ao resultado obtido e se, com conhecimentos mais profundos sobre o problema do paciente, poderia o médico haver adotado uma técnica ou terapia mais eficiente para curá-lo.

“Exemplificando: o médico que não realiza certos exames, que podia e devia realizar para a correta elaboração do diagnóstico, privando assim, o doente da possibilidade de vir a seguir uma terapêutica adequada, conseguindo a cura, é susceptível de dar lugar a um pedido de indenização procedente, a luz dos princípios da responsabilidade civil”[11].

Entretanto, é preciso verificar caso a caso, quase sempre, lançando o juiz mão, uma vez mais, da perícia médica, para identificar se o resultado favorável ao tratamento seria razoável ou se não passaria de mera ou remota possibilidade de cura. Portanto, se o dano decorre de não terem sido dadas todas as oportunidades ao paciente de alcançar o melhor resultado, presume-se a culpa do profissional pela teoria da perda de uma chance de resultado mais favorável.

3. DESCRIÇÃO DA PESQUISA REALIZADA NAS DECISÕES DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO





O objetivo da presente pesquisa foi o de verificar o comportamento das decisões no Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro (TJRJ), nos processos sobre a chamada Responsabilidade Civil por Erro Médico, de modo a fornecer informações que orientem como tem sido o comportamento dos magistrados em suas sentenças quando enfrentam a diversidade de pedidos e razões que embasam tais pedidos judiciais.

O trabalho foi elaborado com vistas a atingir os seguintes objetivos específicos:

a) quantificar as decisões sobre o alegado erro médico proferidas pelo TJRJ, analisados ao longo do ano de 2008, e seus resultados quanto ao posicionamento do judiciário;

b) verificar quais são os réus dessas demandas judiciais (hospitais públicos ou privados, médicos, operadoras de planos de saúde, etc.);

c) identificar os locais de maior ocorrência dos alegados erros médicos ou de procedimentos;

d) descobrir quais especialidades médicas foram demandadas ou qual era a especialidade médica envolvida com o respectivo erro;

e) identificar quais os tipos de danos causados e reconhecidos nas decisões do TJRJ;

f) conhecer quantitativa e qualitativamente as sanções aplicadas nas ações que reconhecem a prática do erro médico;

Foi preciso trabalhar em várias fases, dentre elas seleção e sistematização das decisões judiciais; leitura e análise das decisões selecionadas; tabulação para estatísticas sobre os resultados e construção de tabelas e gráficos, com os respectivos dados encontrados.






Durante a seleção, verificou-se que algumas vezes uma mesma decisão aparecia repetidamente nos resultados das buscas. Em razão disso, o número de decisões efetivamente analisadas foi inferior ao selecionado inicialmente no banco de dados do TJRJ.

Ao inserir as palavras-chave “erro médico” a seção de jurisprudência que armazena os acórdãos no site do TJRJ apresentou 269 decisões, entretanto, eliminadas as decisões repetidas e as que eram de natureza unicamente de questões processuais, restou um total de 197 decisões para a pesquisa.




A abrangência geográfica das análises das decisões integrantes desta pesquisa observou apenas a área de atuação do TJRJ, qual seja, o Estado do Rio de Janeiro.




O estudo limitou-se às decisões judiciais proferidas já em sede de recurso (2ª. Instância), em razão da dificuldade de acesso para reunir as centenas de processos com as decisões de primeira instância. Entretanto, foi possível analisar qual o comportamento dos desembargadores da 2ª instância com relação às decisões dos juizes de 1ª instância, gerando uma análise indireta destas decisões.




Foram coletadas decisões que cuidaram unicamente dos aspectos civis, quanto à obrigação de indenizar os ofendidos, que dizem respeito à responsabilidade civil dos profissionais e instituições relacionadas à área de serviços de saúde, hospitais, médicos, planos de saúde, laboratórios de análises, etc.

Vale destacar que, quanto a estas decisões de natureza civil, em sua grande maioria, são decisões de mérito, ou seja, que analisaram efetivamente o pedido feito pelo autor da ação, seja o próprio paciente, ou seu familiar. Assim, algumas decisões que tratavam apenas de questões meramente processuais[12], e não apreciaram o conteúdo do pedido do autor, ficaram de fora das análises.




As decisões foram coletadas no site do TJRJ, por meio do sistema de busca do setor de jurisprudência. A busca jurisprudencial foi feita com as palavras-chave “erro médico”.




Foi necessário realizar uma leitura completa das 269 decisões de 2ª instância do ano de 2008 no TJRJ, que levou a separar as decisões de questões meramente processuais e as que se repetiam, para assim chegar as 197 decisões em que o mérito do pedido foi efetivamente analisado pelos desembargadores.

Conjuntamente com a leitura, procedeu-se aplicação de um questionário básico que pudesse gerar os dados para tabulação e construção da análise quantitativa e qualitativa das decisões.




O questionário contemplou vários itens para mapeamento dos dados e foram feitas diversas subanálises para gerar dados mais precisos sobre as respectivas decisões, visto que, por exemplo, uma coisa é a quantidade de hospitais e médicos que foram processados, e outra a quantidade que efetivamente foi condenada a indenizar. Assim as questões respondidas foram elaboradas da seguinte maneira: 1) Quem eram os réus demandados nos processos; 2) Quais eram os locais de maior ocorrência dos alegados erros médicos; 3) Quais eram as principais especialidades demandadas ou envolvidas nos processos; 4) Quais foram os resultados da segunda instância em relação ao pedido (favorável ou desfavorável ao autor); 5) Analisando as decisões de segunda instância qual foi o comportamento dos juízes de primeira instância (favorável ou não ao autor); 6) Qual foi a natureza dos danos causados ou reconhecidos ao paciente/autor; 7) Quais foram os resultados das decisões versus os réus; 8) Quais foram os resultados das decisões versus os locais de maior ocorrência do erro; 9) Quais foram os resultados das decisões versus as especialidades demandadas/envolvidas; 10) Quais foram os valores ou as obrigações impostas nas condenações.




A tabulação para as estatísticas sobre os resultados foi preparada utilizando recursos avançados do programa Excel, da Microsoft.

Desta forma, após a leitura dos acórdãos e identificação dos dados e respostas dos questionários, estas eram digitadas na plataforma Excel para geração das análises.




As tabelas e gráficos foram construídas utilizando-se também de recursos avançados do programa Excel da Microsoft, com o objetivo de elaborar uma fácil visualização dos dados.

Tais tabelas e gráficos aparecerão inseridos nas análises que se farão dos resultados encontrados nas respostas do questionário acima mencionado.

4. DESCRIÇÃO DAS RESPOSTAS AO QUESTIONÁRIO E ANÁLISE DOS DADOS COLETADOS NA PESQUISA

           



            Foram analisadas 269 decisões judiciais de natureza cível, todas proferidas pelo Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro. Quando da consulta à jurisprudência do site do TJRJ, uma parcela dos acórdãos encontrados, 72 (ou 27%) foram excluídos da análise, por se tratarem de decisões que apareciam repetidas, e outras por tratarem de questões exclusivamente processuais. Por fim, uma pequena parcela era de decisões que não se referiam a processos por erro médico. O que deixou, então, 197 acórdãos, que foram utilizados na construção dos dados aqui analisados.

Vale destacar que, das várias decisões excluídas por não adentrarem ao mérito e tratarem apenas de questões processuais, referiam-se a itens tais como:


a)    Decisões ordenando realização de segunda perícia;

b)    Havia também decisões negando a realização de segunda perícia;

c)    Negando chamamento ao processo de litisconsórcio apontado pelo réu;

d)    Indeferimento de antecipação de tutela atacada por recurso;

e)    Uma admitindo e outra rejeitando denunciação da lide;

f)     Decisões negando ou admitindo ilegitimidade passiva arguída pelos réus;

g)    Decisão admitindo prova oral requerida;

h)   Negando impugnações a laudos periciais;

i)     Decisões acolhendo e também rejeitando prescrição arguida;


     Dentre muitos outros motivos alem dos acima mencionados.

Outro dado peculiar refere-se aos hospitais públicos onde, do total analisado, a maioria absoluta eram de hospitais municipais, oito demandas foram ajuizadas em face de hospitais estaduais e uma foi ajuizada contra um hospital que, a época, era administrado pela União Federal.






Dentre os réus, nas ações analisadas, encontramos: 122 hospitais, dos quais 78 eram privados e 44 públicos; 57 médicos; 27 clínicas de menor porte; 22 planos de saúde; 11 laboratórios de análises clínicas; 04 foram o poder público demandado diretamente; e, em outros, foram classificados os casos dos réus que não se encaixam nas categorias acima, sendo eles, um serviço móvel de assistência médico-hospitalar e uma ótica.

Convém mencionar que, embora foram analisadas 197 decisões, na somatória geral o número de réus é maior (245) em razão de que muitas vezes são acionados no mesmo processo dois ou mais réus.

No gráfico 1, podemos ver como se comporta a distribuição dos réus percentualmente.



Gráfico 1

DADOS DOS GRÁFICOS AINDA A SEREM PUBLICADOS


[1] Associação Brasileira de Educação Médica (ABEM). Relatório do projeto CINAEM (Comissão Interinstitucional Nacional de Avaliação das Escolas Médicas). Disponível em: http://www.abem-educmed.org.br/cinaem.php. Acesso em 10 out. 2009.
[2] GOMES, J. C. M.; FRANÇA, G. V. Erro médico: um enfoque sobre sua origem e conseqüências. Montes Claros (MG): Unimontes, 1999. Disponível em: http://www.ambito-juridico.com.br. Acesso em: 12 dez 2009.
[3] CARVALHO, Jose Carlos Maldonado de. Iatrogenia e Erro Médico sob o Enfoque da Responsabilidade Civil. 3ª ed., Lúmen Júris, Rio de Janeiro, 2009, p. 20.
[4] CAVALIERI FILHO, Sergio. Programa de Responsabilidade Civil. 9ª ed., Atlas, São Paulo, 2010, p.16.
[5] CAVALIERI FILHO, Sergio. op. cit., p. 16.
[6] CAVALIERI FILHO, Sergio. ibden., p. 46.
[7] FRANÇA, Genival Veloso de. Medicina Legal. 8ª ed., Guanabara Koogan, 2007,  p. 459.
[8] CARVALHO, Jose Carlos Maldonado de. op. cit., p. 56.
[9] GRINOVER, Ada Pellegrini ...(et al). Código de Defesa do Consumidor comentado. 6ª ed., Rio de Janeiro, Forense, 2000, p. 117.
[10] Art. 6º São direitos básicos do consumidor:
II - a educação e divulgação sobre o consumo adequado dos produtos e serviços, asseguradas a liberdade
de escolha e a igualdade nas contratações;
Art. 31. A oferta e apresentação de produtos ou serviços devem assegurar informações corretas, claras, precisas, ostensivas e em língua portuguesa sobre suas características, qualidades, quantidade, composição, preço, garantia, prazos de validade e origem, entre outros dados, bem como sobre os riscos que apresentam à saúde e segurança dos consumidores.
Art. 39. É vedado ao fornecedor de produtos ou serviços: (...)
Art. 422. Os contratantes são obrigados a guardar, assim na conclusão do contrato, como em sua execução, os princípios de probidade e boa-fé.
[11] CARVALHO, Jose Carlos Maldonado de. ibden., p. 56
[12] Os aspectos processuais são aqueles relacionados às formalidades da ação judicial. Uma decisão dessa natureza não analisa o pedido do autor (por exemplo, a indenização) por entender que existe uma ou mais questões de forma que impedem o julgamento do mérito da ação. Exemplos: ilegitimidade de parte (autor e/ou réu não deveriam figurar como partes); incompetência (juiz entende que a ação deve ser processada e julgada em outro foro e não naquele em que fora proposta a ação); entre outros.

Um comentário:

  1. Ana Paula Fernandes5 de junho de 2012 às 01:34

    Ótimo trabalho. Muito interessante a análise estatistica feita a respeito das jurisprudencias.

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