quarta-feira, 26 de janeiro de 2011

A NATUREZA JURÍDICA DOS DIREITOS DO NASCITURO

Para citar este trabalho ou trechos do mesmo:


Autor: CARNEVALE, Marcos Carnevale Ignácio da Silva*
A NATUREZA JURÍDICA DOS DIREITOS DO NASCITURO
Artigo apresentado no curso de pós-graduação lato sensu em Direito Privado, com docência, da Universidade Gama Filho. 2010.
*Advogado no Rio de Janeiro e Pós-Graduado com docência em: Direito Público (áreas de concentração Constitucional, Administrativo e Tributário), e em Direito Civil e Processo Civil, pela Universidade Estácio de Sá. E em Direito Privado pela Universidade Gama Filho.


SUMÁRIO

RESUMO
INTRODUÇÃO
1 OS DIREITOS DA PESSOA NATURAL
2 NATUREZA JURÍDICA – NOMENCLATURA SUGERIDA
CONCLUSÃO
REFERÊNCIAS
ABSTRACT
NOTAS EXPLICATIVAS

RESUMO

O estudo deste tema objetivará esclarecer a natureza jurídica dos direitos do nascituro e qual a nomenclatura adequada, em razão da dicotomia das teorias natalista e concepcionista, vastamente aceitáveis quando analisamos o ordenamento jurídico brasileiro no que se refere ao tema do, início dos direitos do ser que está por nascer. É fato que o ser humano merece proteção do Estado desde sua concepção, desta forma, desde este momento, seus direitos personalíssimos ou direitos de humanidade já são garantidos pela lei brasileira. Entretanto, outra parte de seus direitos, os direitos de relação, ou talvez, melhor, se chamados de, direitos de convivência, onde se encaixam os direitos obrigacionais e patrimoniais, o indivíduo apenas os adquirirá e poderá usufruir deles, se vier a nascer com vida, se puder conviver com outros indivíduos para poder opô-los ou invocá-los, ainda que representado ou assistido.
PALAVRAS-CHAVE: Nascituro. Direitos de Humanidade. Direitos de Relação. Direitos de Convivência.

INTRODUÇÃO

Há controvérsia na doutrina quanto aos direitos da pessoa já concebida e sua natureza jurídica. Muitas divisões doutrinárias e nomenclaturas tentam explicar tais divergências, apoiando-se no Código Civil de 2002, que repetiu disposições do Código de 1916 mas, trouxe novos dispositivos para o ordenamento jurídico brasileiro, anteriormente não descritos neste diploma.
O art. 2º do CC/02, preceitua que “A personalidade civil da pessoa começa do nascimento com vida; mas a lei põe a salvo, desde a concepção, os direitos do nascituro.” Dando margem assim para a defesa de que nosso ordenamento se filia a duas teorias, natalista e concepcionista.
Tais preceitos são tão evidentes que, além do mencionado art. 2º, diversos artigos no CC, CPC, na CRFB e em lei esparsa, elencam inúmeros direitos da pessoa que está por nascer, inclusive dos embriões fertilizados in vitro, tais como:
- Art. 1.597. Presumem-se concebidos na constância do casamento os filhos:
...
III - havidos por fecundação artificial homóloga, mesmo que falecido o marido;
IV - havidos, a qualquer tempo, quando se tratar de embriões excedentários, decorrentes de concepção artificial homóloga;
V - havidos por inseminação artificial heteróloga, desde que tenha prévia autorização do marido.
- Art. 1.609. O reconhecimento dos filhos havidos fora do casamento é irrevogável e será feito:
...
Parágrafo único. O reconhecimento pode preceder o nascimento do filho ou ser posterior ao seu falecimento, se ele deixar descendentes.
- Art. 1.798. Legitimam-se a suceder as pessoas nascidas ou já concebidas no momento da abertura da sucessão.
- Art. 1.799. Na sucessão testamentária podem ainda ser chamados a suceder:
I - os filhos, ainda não concebidos, de pessoas indicadas pelo testador, desde que vivas estas ao abrir-se a sucessão;
Art. 1.800. No caso do inciso I do artigo antecedente, os bens da herança serão confiados, após a liquidação ou partilha, a curador nomeado pelo juiz.
...
§ 3º. Nascendo com vida o herdeiro esperado, ser-lhe-á deferida a sucessão, com os frutos e rendimentos relativos à deixa, a partir da morte do testador.
Entretanto, ainda que a lei haja tentado abranger exaustivamente as hipóteses concernentes aos direitos do nascituro, buscando identificar a natureza jurídica destes direitos a serem adquiridos pela pessoa natural, como direitos personalíssimos, diversos autores sustentam diferentes nomenclaturas, estabelecendo que estes tem dois momentos, pré e pós-nascimento.
Analisaremos então tais nomenclaturas, buscando sugerir uma que seja adequada a nossa realidade jurídica e a aquisição de direitos pelo nascituro, em razão de que há reflexos no direito em geral e no direito obrigacional e patrimonial.


1 OS DIREITOS DA PESSOA NATURAL

Embora haja vasta doutrina para a identificação de qual teoria se filia nosso ordenamento jurídico quanto ao início dos direitos da pessoa, teoria natalista e/ou concepcionista, no que se refere ao momento da aquisição destes direitos, se faz necessária análise das diversas posições doutrinárias, e não apenas da análise dos preceitos do Código Civil, para estabelecer a correta identificação da natureza dos direitos a serem adquiridos pelo nascituro.
Desta forma, conforme mencionado, a lei brasileira, no art. 2º do CC/02, preceitua que “A personalidade civil da pessoa começa do nascimento com vida.” E, baseado em conceitos médicos descritos na Resolução nº 1/88 do Conselho Nacional de Saúde, capítulo V, art. 29, item 6: o nascimento com vida é a “expulsão ou extração completa do produto da concepção quando, após a separação, respire e tenha batimentos cardíacos, tendo sido ou não cortado o cordão, esteja ou não despendida a placenta.” Isto posto, com esta definição, a doutrina brasileira busca analisar a natureza dos direitos do indivíduo e seus momentos.
Maria Helena Diniz, ao identificar a natureza dos direitos a serem adquiridos pela pessoa natural, diz que “é possível afirmar que o nascituro, concebido na vida intra-uterina, tem personalidade jurídica formal, no que se refere aos direitos da personalidade. E, este indivíduo, se nascer com vida, passa a ter personalidade jurídica material, alcançando assim a plenitude de seus direitos, incorporando os direitos patrimoniais e obrigacionais”[1].
O Professor Nery Júnior diz que o Código Civil qualifica estes direitos da pessoa natural como direitos da personalidade. É o sujeito (portanto a pessoa, ente com personalidade) atuando, pela potência intelectiva inerente a natureza humana, ela própria elemento do nascimento de direitos de personalidade, usando a expressão “direitos de humanidade”[2] (ou mesmo de direitos personalíssimos) ao invés de direitos da personalidade.
Há autores, que na linha de raciocínio de Maria Helena Diniz, buscam separar os direitos da personalidade usando a nomenclatura de Nery – direitos de humanidade – equivalente àqueles que ainda só possuem personalidade jurídica formal. E chamam de – direitos de relação – aqueles adquiridos pela pessoa depois do nascimento com vida, que assim passam a ter personalidade jurídica material, na acepção de Diniz. Tal nomenclatura – direitos de relação (ou direitos de relacionamento) – pode ser encontrada em alguns artigos tais como os de ARRAES, Roosevelt[3] e SANTOS, Marília Andrade dos[4], com os quais faço coro em alguns pontos, mas não é encontrada nos manuais.
Já Paulo Nader afirma que, sujeito ou titular é o portador de direitos ou deveres em uma relação jurídica. Por outra via, pessoa é o ente ao qual a lei atribui personalidade, à qual adquire após o nascimento com vida ou após a constituição de seus atos. Dessa forma, tanto a pessoa natural, substância indivisa dotada de racionalidade e, vulgarmente chamada de pessoa física, como a pessoa moral ou jurídica, são dotadas de personalidade jurídica. A subespécie de pessoa, a pessoa física, à qual o ser humano nascido pertence e na qual os adeptos da teoria concepcionista incluem o nascituro "é o ser dotado de razão e portador de sociabilidade, condição que o leva à convivência"[5].
Nenhuma das definições é considerada a mais acertada, e tampouco a que será sugerida pretende suplantar qualquer uma delas, no entanto, baseado nos argumentos apresentados, sugerimos o que segue.


2 NATUREZA JURÍDICA – NOMENCLATURA SUGERIDA

Portanto, usando os conceitos de Nery e Nader, estabeleceremos duas nomenclaturas citadas na mencionada doutrina para explicar a natureza jurídica dos direitos do nascituro: os direitos que dizem intimamente com a sua natureza humana, os DIREITOS DE HUMANIDADE, e os que decorrem de vantagens que possuirá frente aos outros indivíduos com os quais convive, os DIREITOS DE CONVIVÊNCIA.
Assim, na categoria dos direitos de humanidade, podem ser enquadrados todos os direitos ligados à dignidade da pessoa humana, todos os direitos garantidos constitucionalmente e que protegem o indivíduo como ser humano. Tais como, o direito à vida, à saúde, às integridades física, moral e intelectual, à imagem, liberdade, intimidade, igualdade, segurança. Ou seja, os direitos de humanidade são aqueles direitos que estão com o indivíduo desde o momento em que ele pode ser considerado um ser humano. De acordo com grande parte da doutrina, este momento é precisamente a concepção e são adquiridos de forma plena, de acordo à realidade do ordenamento jurídico brasileiro. No direito brasileiro é indubitável que o feto, desde a concepção, já é uma realidade física e jurídica distinta, visto ter carga genética diferenciada de seus pais desde a concepção. Entender o contrário seria dizer que até o parto o nascituro poderia ser entendido como coisa ou como parte do corpo materno, entendimento desde há muito rejeitado pelo Direito brasileiro.
Contudo, no que se refere aos direitos de convivência, a situação é diversa, são direitos relativos ao indivíduo quando da convivência que possa exercer com outros indivíduos e demonstram seu favorecimento ou vantagem em face destes. Dentro dos direitos de convivência estão os direitos obrigacionais e os direitos patrimoniais. Porém, para que possam ser exercidos pelo seu titular, há necessidade da presença de outros indivíduos para que estes direitos existam. Tais direitos de convivência existem em face da característica essencial e marcante do homem, que é justamente o viver em comunidade e, assim, conviver com outros indivíduos. É indiscutível que desde a concepção o indivíduo, chamado de nascituro, já existe e já tem vida e, justamente, em razão da grande possibilidade de que venha a nascer com vida é que foi estipulada a salvaguarda dos direitos futuros desde o início de sua existência. Assim, o nascituro possui desde que é concebido, expectativa de adquirir os direitos de convivência, condicionado ao seu nascimento com vida. Por isso, pensamos que o termo - direitos de relação - não se encaixa plenamente, porque de alguma maneira, mesmo antes de nascer, intra-útero, o feto já se relaciona com sua genitora, mas não convive com ela ou com outros indivíduos, pois ainda não nasceu.
Se o nascituro não puder manter uma convivência plena com os outros indivíduos, a aquisição dos direitos será frustrada e, desta maneira, se manterá no patamar da mera expectativa. E convivência plena com outros indivíduos pressupõe desenvolver-se regularmente, crescer, atingir a maioridade e, assim, adquirir capacidade relativa ou plena. E, ainda que hajam casos em que um nascituro jamais poderá cumprir todos os requisitos, como no autismo, síndrome de down, ou na anencefalia, por exemplo, de alguma forma ele poderá conviver, relacionar-se, e até usufruir, com limitações, de seus direitos.
Quanto aos direitos de humanidade, examinando o nosso ordenamento jurídico, é possível perceber que eles podem ser objeto de pedidos judiciais para que sejam respeitados desde a concepção, conforme os artigos acima mencionados, pois que foram adquiridos de forma plena e incondicional já neste momento.
Todavia, com os direitos de convivência a situação é diferente. É possível que o nascituro pleiteie a garantia destes direitos desde a concepção, que serão cautelarmente garantidos contra lesões, em razão da controvérsia existente sobre eles e por ser o nascituro titular de expectativas de direito sobre eles. Mas o provimento judicial final ficará sobrestado até que ocorra o nascimento, a fim de que se verifique de quem é a titularidade e a legitimidade sobre este direito.
Veja que, pleitear a garantia dos direitos de convivência, especialmente os direitos patrimoniais e sucessórios, é tão protegido no nosso ordenamento, que o legislador reservou no Código Civil de 2002, dentro do instituto DO PROCESSO CAUTELAR, no Livro III, Título Único, Capítulo II, Seção XII, que trata DA POSSE EM NOME DO NASCITURO, um conjunto de normas para proteger estes direitos antecipadamente ao seu nascimento, especialmente nos artigos 877 e 878.

- Art. 877 - A mulher que, para garantia dos direitos do filho nascituro, quiser provar seu estado de gravidez, requererá ao juiz que, ouvido o órgão do Ministério Público, mande examiná-la por um médico de sua nomeação.
§ 1º - O requerimento será instruído com a certidão de óbito da pessoa, de quem o nascituro é sucessor.
§ 2º - Será dispensado o exame se os herdeiros do falecido aceitarem a declaração da requerente.
§ 3º - Em caso algum a falta do exame prejudicará os direitos do nascituro.

- Art. 878 - Apresentado o laudo que reconheça a gravidez, o juiz, por sentença, declarará a requerente investida na posse dos direitos que assistam ao nascituro.
Parágrafo único - Se à requerente não couber o exercício do pátrio poder, o juiz nomeará curador ao nascituro.
 Enfim, a questão quanto natureza dos direitos da pessoa que está por nascer, e sua nomenclatura, enfrenta a dicotomia mencionada acima, e ainda que a legislação tenha tentado disciplinar a matéria, tal discussão persiste.


CONCLUSÃO 



Da análise do tema, evidencia-se a distinção entre a natureza dos direitos, os direitos de humanidade e os direitos de convivência.
Assim, não seria ilógico afirmar que, os direitos de humanidade, tais como, o direito à vida, à saúde, às integridades física, moral e intelectual, à imagem, liberdade, intimidade, igualdade, segurança, entre outros, são garantidos desde a concepção, e sua natureza jurídica e respectiva nomenclatura são acertadas, pois dizem intimamente com a sua natureza humana, onde é fato que esta, o indivíduo já a possui desde sua concepção, portanto, justa sua proteção pelo Estado.
Entretanto, quanto aos direitos de convivência, estes, encontram-se em estado potencial, somente vindo a concretizar-se na esfera jurídica do nascituro com o nascimento com vida, sugerindo assim que para este conjunto de direitos, a melhor nomenclatura não é – direitos de relação – e sim, – direitos de convivência –, em razão, como vimos, de que aquela não se encaixa plenamente, porque de alguma maneira, mesmo antes de nascer, intra-útero, o feto já se relaciona com sua genitora, mas não convive com ela ou com outros indivíduos, pois ainda não nasceu.


ARRAES, Roosevelt. A extensão dos direitos da personalidade e a situação jurídica do anencéfalo. Disponível em: .
DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil Brasileiro. Saraiva, 25ª ed., 2008.
NADER, Paulo. Curso de Direito Civil – Parte Geral. Forense, vol. 1, 5ª ed., 2008.
NERY JÚNIOR & NERY. Código Civil Comentado. Revista dos Tribunais, Revista, atualizada e ampliada, 5ª ed., 2007.
SANTOS, Marília Andrade dos. A aquisição de direitos pelo anencéfalo e a morte encefálica. Disponível em: http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp 

LEGAL RIGHTS OF THE UNBORN CHILD

The theme of this study aim to clarify the legal rights of the unborn child and what is the proper nomenclature, because of the dichotomy of the conception’s and Birth’s theories, widely acceptable when analyzing the Brazilian legal system regarding the issue of the beginning of rights for these unborn child. In fact the human being deserves protection form state since its conception, in this way, at this stage, personality rights or humanity rights are already guaranteed by Brazilian law. However, another part, the relationship rights, or perhaps better if called coexistence ‘s rights, which fit the bond and property rights, the individual only will can enjoy them if born with life, if can live with other human being around to impose them or rely on them, even represented or assisted.

KEYWORDS: Unborn child. Humanity’s Rights. Relationship’s Rights. Coexistence’s Rights






1 DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil Brasileiro. Saraiva. 2008. 25ª ed. vol. 1, p. 198.


2 NERY JÚNIOR & NERY, Código Civil Comentado. Revista dos Tribunais, Revista, atualizada e ampliada, 2007, 5ª ed., p. 201.


3 ARRAES, Roosevelt. A extensão dos direitos da personalidade e a situação jurídica do anencéfalo. Disponível em: . Acesso em: 02. jul. 2009.


4 SANTOS, Marília Andrade dos. A aquisição de direitos pelo anencéfalo e a morte encefálica. Disponível em: . Acesso em: 04. ago. 2009.


5 NADER, Paulo. Curso de Direito Civil – Parte Geral. Forense, 2008, vol. 1, 5ª. ed., p. 144.

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